Estou de férias. Um recesso, só até domingo. Por isso, escolhi um texto antigo para ressuscitar aqui.
Como estamos em mês de FIQ - Festival Internacional de Quadrinhos (Belo Horizonte, 22 a 26 de maio; eu vou!), resolvi resgatar meu Diário do FIQ 2009, que saiu entre 8 e 12 de outubro de 2009 no Omelete. Há quinze anos.
Com vários cortes, porque na época eu não tive tempo de escolher o que ficava. Se eu usasse tudo, daria um livro. Do jeito que está aqui, ficou só um livreto.
E com fotos, que eu não lembro se o Omelete publicou em galeria ou não. Talvez sejam inéditas. Mas eu sou um péssimo fotógrafo, não espere grande coisa.
Quero ter fôlego para fazer algo parecido no FIQ deste ano. Veremos.
A virapágina volta ao normal na próxima sexta-feira.
Da esquerda para a direita: , Becky Cloonan, Sierra Hahn, Craig Thompson, , , , Gustavo Duarte, e, desculpa, não sei
Diário do FIQ - Dia 1
Estou atrasado. O 6º Festival Internacional de Quadrinhos começou na terça-feira, dia 6, e só consegui chegar na quarta, dia 7. Repasso mentalmente o que perdi da programação enquanto chego a Belo Horizonte. Mas é só ligar o celular enquanto espero a mala na esteira do aeroporto que chegam mensagens, e-mails e alertas no Twitter: Belo Horizonte está alagada.
Este ano, o FIQ se declara a versão brasileira da San Diego Comic-Con. São vários convidados internacionais, vários eventos paralelos. A programação realmente é extensa. Para melhorar a comparação, este ano San Diego teve um alerta de lulas gigantes na costa, poucos antes da Comic Con. Belo Horizonte, então, tem sua própria catástrofe, por mais que seja menos pop e mais terceiro mundo: enchente.
Ligo o computador no hotel e vejo que tem sessão de autógrafos do Liniers em hora e meia. É pouco tempo se considerar que nem sei onde fica o Palácio das Artes, ponto onde acontece a maioria dos eventos do FIQ.
No caminho, descubro que fica no centrão de BH, perto da prefeitura e de outros prédios públicos, e ligado a um grande parque. É um centro cultural com várias galerias, dois teatros, um cinema e bons jardins para relaxar. O FIQ dominou um andar inteiro do lugar, bastante extenso. Depois vou descobrir que é a primeira vez que o evento acontece aqui. Os organizadores estão muito satisfeitos.
O público também: o lugar está cheio. Principalmente de crianças e adolescentes. Hoje é o principal dia de visitação de escolas públicas de BH, pois Mauricio de Sousa está aqui para uma palestra e sessão de autógrafos do seu livro de 50 anos de carreira.
Quem queria autógrafos do criador da Mônica tinha que pegar senha a partir do meio dia. A sessão começa às 17h e é o momento de pico. Forma-se uma fila gigantesca e um cerco de seguranças para delimitar o espaço onde vão ficar Mauricio e quatro artistas mineiros que participaram do livro: Lelis, Raphael Salimena, Vitor Cafaggi e João Marcos. A fila se mantém por duas horas, fazendo curvas pelo evento, com bebês, adolescentes e idosos.
Lelis, Raphael Salimena, Vitor Cafaggi (abaixado), João Marcos e Mauricio de Sousa
A sessão de autógrafos do Liniers começou um pouco antes. Na FIQ está sendo lançado Macanudo 2 (Zarabatana), sua segunda coletânea de tiras. Como aconteceu em São Paulo no ano passado, vem gente com a mochila carregada de obras do autor, tanto nacionais quanto as só publicadas na Argentina.
Tenho meu momento de tietagem. Óbvio que Liniers não lembra que eu o entrevistei no ano passado, mas lembra dos livros de Laerte que lhe entreguei de presente. Bato um papo com ele enquanto autografa meu Macanudo 2. O papo é curto porque Liniers se concentra em fazer um desenho especial para cada fã.
Chega uma câmera de TV do nosso lado, com uma apresentadora loirosa que lhe pergunta: por que um desenho diferente, e detalhado, para cada autógrafo? Liniers: "Os cartunistas de quem eu era fã sempre faziam isso, então eu decidi que tinha que fazer também."
Lelis, Raphael Salimena e Vitor Cafaggi
Também topo com Ben Templesmith, o artista australiano de 30 DIAS DE NOITE, FELL etc. Ele é alto, esguio e branco como um vampiro. Havia chegado há dois dias em Belo Horizonte, mas hoje só passou rapidamente pela FIQ. Outro para conversar mais tarde.
O ponto onde vejo toda essa gente é a Tenda Eugênio Colonnese, onde ficam estandes de livrarias, editoras e estúdios. O estande da Livraria Leitura é o maior, com um corredor de gibis novos e usados. O trânsito lá dentro era meio conturbado, pelo menos nesse dia. Há estandes da Companhia das Letras e da Panini, de estúdios que desenham e pintam ali mesmo, e de vários coletivos independentes.
De um desses, do pessoal que apropriadamente intitula-se Quadrinhos Dependentes, acabo levando um bolo de revistas. É, em parte, do mesmo pessoal que editou a SAMBA, boa antologia lançada este ano. Parte dessa mesma turma está lançando a BELELÉU, dedicada quase que totalmente a quadrinhos de humor negro.
Em outra das revistas que levo do estande, a KOWALSKI, a primeira história mostra Cebolinha, Cascão e Franjinha usando, respectivamente, maconha, cocaína e heroína enquanto bolam o plano definitivo para acabar com a Mônica. O plano, que certamente se enquadraria em crime hediondo, dá certo e a cena final envolve Bidu em uma posição inominável. Alguém sugere levar o gibi para pedir autógrafo de MaurIcio de Sousa.
Exposição de Renato Canini
A palestra seguinte é com Renato Canini, grande nome das HQs nacionais que ficou marcado como o desenhista do Zé Carioca que não seguiu o padrão Disney, nos anos 70. Ele comenta este trabalho e outros personagens, como Kaktus Kid e Dr. Fraud, que produziu para várias antologias ao longo dos anos 70 e 80. Desde essa época, seu trabalho se voltou para a ilustração de livros infantis.
Há uma exposição dedicada a Canini no FIQ, que é provavelmente a melhor já armada para sua carreira. Além dos originais, há ilustrações suas impressas em grande formato, que não deixam nada devendo aos artistas de quadrinhos infantis reverenciados pelos americanos, como John Stanley (de Luluzinha e Melvin the Monster).
A palestra vira uma conversa entre Canini, com 73 anos, e outros membros da plateia com idade próxima, lembrando os velhos tempos e preocupados com a preservação da memória desses velhos tempos.
Exposição de Renato Canini
Diário do FIQ - Dia 2
Só se comentava uma coisa durante a quinta-feira no FIQ: o dilúvio. São Pedro mandou uma tromba d’água sobre os gibizeiros pecadores e restou a um barbudo construir uma arca com o plástico dos estandes para salvar casais de álbuns franceses e fanzines brasileiras que, um dia, construirão um novo mundo. Para todos os outros, túmulo aquático.
Bom, quase isso. É que as notícias sobre a chuva no FIQ foram bem mais catastróficas do que o que realmente aconteceu. Ok, realmente havia goteiras (e buracos, mais do que goteiras) na Tenda Eugênio Colonnese e a "sala de leitura do quadrinho mundial" de Marko Ajdaric (já falo dela) também sofreu. Sim, o pessoal da livraria Leitura Savassi perdeu material. Sim, alguns estandes tiveram que mudar de lugar. Mas ninguém morreu, temos luz (diferente de outras partes de Belo Horizonte) e poucos gibis se molharam.
Quadrinhos secando
Fora isso, alguns eventos atrasaram um pouco. Quando cheguei na Tenda, à tarde, Guy Delisle estava numa mesa meio escondida autografando SHENZHEN, PYONGYANG e CRÔNICAS BIRMANESAS para uma única fã. A sessão de autógrafos estava marcada para as 15h na Leitura Savassi, mas a livraria ainda estava interditada enquanto o pessoal reorganizava os produtos.
Decidiu-se, então, que Delisle faria sua sessão mais tarde (e realmente aconteceu, com filas bem maiores, enquanto ele autografava ao lado de Liniers). Como bom abutre, aproveitei a situação para entrevistá-lo. Delisle falou do tempo que precisa entre chegar de uma viagem e escrever um livro sobre ela, da sua formação cômica e política e do que está acontecendo no quadrinho francês (apesar de canadense, ele mora há anos em Montpellier).
E, claro, momento tietagem: o autógrafo no meu SHENZEN.
Depois da entrevista, passeio pelo salão do café e vejo uma comissão de gente estilosa chegando em fila, cheia de malas e roupas diferentes. São os convidados internacionais de Fábio Moon e Gabriel Bá. Seguindo os dois, vêm Vasilis Lolos (cabelos emo-negros saindo por uma toca, mesmo com o calor), Becky Cloonan (baixinha, ruivinha, olhos muito azuis, coberta de roupa preta) e Iván Brandon (o cara, digamos, mais normal da turma e o único que parecia com calor).
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