001: O COMBATE
O COMBATE COTIDIANO | apresentações | minha semana | capitalismo | páginas
O COMBATE COTIDIANO, Manu Larcenet, página 124.
É a última página do capítulo 2. Já foi o final do álbum 2, quando COMBATE era uma série de quatro álbuns. Tem a data da conclusão ali na esquerda inferior: 9 de dezembro de 2003. Tem quase vinte anos. Larcenet só terminaria o último volume em 2007.
Marco, o protagonista – Larcenet, disfarçado – saiu pra fumar. O final do capítulo (do livro, do volume) teve uma tragédia e uma mudança. Ou duas mudanças grandes. Marco/Larcenet quer pensar na vida.
O resumo de COMBATE COTIDIANO é esse: Marco quer pensar na vida. O que ele fez até agora e a tensão com o que vem pela frente. Mesmo que a vida não pare.
Estas cenas em que seus olhinhos de risquinho (às vezes são bolinhas) olham para o nada estão em quase todas as páginas. A floresta, o campo, a grama e as árvores também são cenário recorrente. O pescador da barba branca e óculos – um amigo de seu pai que vira amigo de Marco, uma referência de futuro, de onde a vida pode levar – também já apareceu e vai aparecer de novo.
Voltando àquela última página. Você pode dizer que Larcenet não sabia terminar o volume, então botou uma página sem texto, imagens soltas, a esmo. Não é isso. Páginas de quadrinhos não existem soltas – nem páginas de livros, nem frames de cinema – porque fazem parte de um contexto, da narrativa.
Depois de tudo que acontece no segundo volume de COMBATE, especialmente nas últimas páginas, essa página derradeira é um respiro. Tudo que aconteceu está na cabeça dos personagens. E na sua. Não precisa de palavras. Respire. Ou vá fumar. (Não fume.)
Parece até que Larcenet deixou espaço para um balão de fala ou de pensamento naquela terceira faixa, essa aí em cima. Mas aquele narigão reto, ou para baixo, ou para cima, acompanhando o cigarro, já diz tudo. O quadro do meio dessa faixa, com metade do rosto na sombra – outro recurso recorrente em COMBATE – também diz muito. Não há nada para dizer, nem nada para pensar. Hora de olhar para o céu, de ficar no vazio.
E termina com a floresta. Aquele quadro em panorama, horizontal, que o olho do leitor tem que percorrer. Fim.
A floresta, na verdade, apareceu antes, na segunda faixa, como um intervalo entre o rosto do pescador e a silhueta de Marco com as mãos nas costas, parado. Como se Marco não quisesse olhar para o velhinho pescador, desviou o olhar. Ele não quer mesmo: os dois brigaram no final do álbum 1, passaram o álbum 2 sem se falar.
Gosto de como os riscos da floresta fogem do requadro, mas só um pouquinho.
Gosto também que, recortado, esse quadro parece uma coisa abstrata.
Os quadros que tinham ficado na minha cabeça depois da primeira vez que li COMBATE, há uns bons quinze anos, eram dos perfis de rostos de idosos na sombra, semi-silhuetas. É um tema do quadrinho: Marco deixa de ser fotógrafo de guerra para ser fotógrafo de velhos estivadores. Aquelas fotos-arte quanto-mais-ruga-melhor, para virar livro.
(Este último quadro parece feito para o Brasil dessa década, mas fala de Le Pen na França de uns vinte anos atrás. COMBATE, entre várias discussões sobre vida e idade, mostra como essa frase é atemporal.)
Eu não lembrava das páginas de “fotos”. Não são exatamente fotos, mas são página sem preto e branco em que a narrativa para, o traço fica mais realista e Marco/Larcenet solta alguma filosofia. Como no resto da série, não é nada pesado e elaborado, é o que Marco dá conta de filosofar com o que ele vive, vê e sente. O recado de COMBATE COTIDIANO sobre o que fazer da vida é mais ou menos esse: é o que a gente dá conta. E tudo bem.
Uma dessas últimas páginas de “fotos” é a dos bonecos de pelúcia. E Marco/Larcenet divagando:
A fraude da ideologia consiste em convencer as pessoas de que existe uma verdade. O real, então, só interessa na medida em que pode ser distorcido para caber na ideologia.
Mas as ruas ou as metástases, por exemplo, são indiferentes à bolsa de valores ou ao alinhamento do partido…
Alguém pode retrucar que elas são igualmente indiferentes à poesia, mas estará enganado.
Desprovida de lógica, a poesia é a única maneira de discernir livremente o que é precioso.
Depardon, Brassens, Bonnard, Jarmusch, Sempé, Tom Waits, Cézanne, Monty Python, Monet, Brel, Desproges, Klee, Cartier-Bresson, Springsteen, Céline, Harvey Keitel, Baudelaire, Van Gogh…
…a poesia compensa tudo.
O COMBATE COTIDIANO, Manu Larcenet, com tradução excelente do Fernando Paz: editora Pipoca e Nanquim, lançamento de agosto, aqui.
Não sei como você chegou na VIRAPÁGINA, mas obrigado por ter vindo.
Meu nome é Érico Assis. Sou jornalista e tradutor. Escrevo sobre quadrinhos desde a época dos modems de 14400. Eu tinha 16 anos e escrevia mais pra mim do que pra outros. Comecei a ser pago pra escrever pros outros quando estava na faculdade, participei da fundação do Omelete – onde escrevi e escrevo esporadicamente há mais de vinte anos –, tive blogs e projetos e colaborações e colunas aqui e ali e lá e lá também. Publiquei dois livros: BALÕES DE PENSAMENTO 1 e 2. Vai ter mais BALÕES. Tenho um site que conta quase tudo: ericoassis.com.br
Umas três ou quatro pessoas me botavam pressão para fazer uma newsletter. Obrigado e espero que vocês três ou vocês quatro estejam lendo.
Tenho alguma ideia de formato ou formatos que essa cartinha vai seguir. Às vezes pode ter um ensaio, às vezes uma entrevista, às vezes um diário de tradução. Nunca vai ser um monte de links – porque eu odeio newsletter que é um monte de links. Newsletter é pra ler, não pra clicar.
Fora para fins comerciais. Porque vai ter um lado comercial, de você clicar nos links patrocinados logo abaixo para comprar minhas traduções e outras coisas em que eu participar. A cada clique e compra, caraminguás pingam na minha conta.
Talvez tenha uma versão paga da newsletter, mais para a frente.
Vai ter uma parte “meu diário de trabalho”, porque eu gosto de ler diários de trabalho de outras pessoas e quero fazer o meu. Nem que seja só pro meu registro.
A periodicidade, a princípio, é semanal.
Sempre vai ter papo sobre virar páginas.
Ah, e a identidade visual é da minha pessoa preferida nesse mundo, Marcela Fehrenbach (instagram.com/marcelafdesign).
A semana passada, a penúltima de agosto, teve uma concentração anormal de trabalho: entreguei quatro traduções. Inclusive uma - a do Ray Bradbury - que eu tinha começado em maio. Mais de três meses.
Nesta semana, a última de agosto, a coisa ficou mais leve.
Entreguei um quadrinho para a Panini. Vamos chamar de CAPOTE. 320 páginas, levei 19 dias.
Continuei a tradução da Agatha Christie, minha décima Christie para a HarperCollins, ou CHRISTIE10: 70 páginas
Revisei as 400 páginas (com pouquíssimo texto) de uma graphic novel. Vamos chamar essa de ROOSEVELT, porque ela vai aparecer de novo por aqui. Vai ser um tradução em dupla, uma colaboração que já rendeu e vai render de novo.
Não traduzi, mas fiz a preparação de NARRATIVAS GRÁFICAS, de Will Eisner, que vai sair em edição atualizada e reforçada pela WMF Martins Fontes, com excelente tradução inédita do Alexandre Boide. Eu mais aprendi sobre tradução do que preparei. Apesar de ter terminado a preparação, ainda vou continuar envolvido com o livro por um tempo.
Na segunda-feira, escrevi uma matéria para a Folha de S. Paulo/Ilustrada sobre PATOS: DOIS ANOS NOS CAMPOS DE PETRÓLEO, de Kate Beaton. As respostas de Beaton à minha entrevista tinham chegado na sexta. Espero que a matéria saia logo. Assim que sair, publico aqui entrevista completa com a sra. Beaton.
E escrevi essa newsletter. E fiz os últimos ajustes no Substack para ela funcionar. Espero que funcione. E aí a semana acabou.
em setembro
UM CORPO NA BANHEIRA, Dorothy L. Sayers, harpercollins
VAMPIRO AMERICANO, ED. DE LUXO VOL. 4, Scott Snyder e Rafael Albuquerque, panini
LÚCIFER: ED. DE LUXO VOL. 2, Mike Carey, Peter Gross, Dean Ormstron, panini
em outubro
ANIQUILAÇÃO: A CONQUISTA (OMNIBUS), Dan Abnett, Andy Lanning e grande elenco, panini [traduzi só os extras]
SETOR UM, Colson Whitehead, harpercollins
vem aí
NUNCA ME ESQUEÇAS, Alix Garin, moby dick [já existe, quem apoiou no catarse está recebendo; mas ainda não está à venda para todo mundo]
NOVEMBRO VOL. 3 e 4, Matt Fraction e Elsa Charretier, risco
VOLEUSE, Lucie Bryon, risco
MONICA, Daniel Clowes, nemo
HOW TO e WHAT IF 2, Randall Munroe, companhia das letras
EVERYTHING IS FINE VOL. 1, Mike Birchall, suma de letras
CHEW VOL. 4, John Layman e Rob Guillory, devir
KRAZY & IGNATZ VOL. 2: 1919-1921, George Herriman, skript
COMIC BOOKS INCORPORATED, Shawna Kidman
mais BONE de Jeff Smith (e amigos), todavia
+ Adrian Tomine
+ Tom Scioli
+ Tom Gauld
+ Ray Bradbury
Todas as minhas traduções: ericoassis.com.br
Walt Simonson (com letras de Bill Oakley), da WALTER SIMONSON FANTASTIC FOUR ARTIST’S EDITION. Vi aqui.
Dan Clowes, MONICA, guarda/3a capa. Vi aqui. (#traduzi)
Manu Larcenet, O COMBATE COTIDIANO, p. 212, tradução do Fernando Paz, letras de Gustavo Figueiredo. [amazon]
Até a próxima. Se você quiser recomendar a newsletter, o endereço é virapagina.substack.com.
Vou ali virar páginas. Espero que você também.
Então, somos três ou quatro?
Melhor newsletter! Na hora que chegou a notificação no meu e-mail chega sorri. Valeu, Érico!