056: LA TRASTORNADA HISTORIETA BRASILEÑA
a história do quadrinho brasileiro | I internotas | capitalismo
No último sábado, fiz uma apresentação na Montevideo Comics, no Uruguai, chamada La Trastornada Historieta Brasileña. É praticamente a mesma apresentação que fiz no Festival d’Angoulême em janeiro de 2023, quando ela se chamava La Bouleversante Bédé Brésilienne (eu gostei da aliteração). Nos dois eventos, o propósito foi o mesmo: fazer uma apresentação rápida a respeito de como chegamos no quadrinho brasileiro de hoje.
Nos dois casos, viajei a convite do Programa Brasil em Quadrinhos, uma iniciativa do Ministério de Relações Exteriores para promover essa grande arte brasileira em outros países.
Sim, o governo federal tem um programa para promover o quadrinho brasileiro no exterior. Existe há cinco anos.
Estou envolvido com o Programa desde 2019, como editor convidado do Catálogo HQ Brasil - que já teve edições em português (para Portugal), em inglês/francês, em espanhol e, recentemente, mais uma edição em inglês/francês. (Pelos links, você acessa os catálogos completos em PDF.) Os Catálogos apresentam entre 70 e 100 obras do quadrinho brasileiro dos últimos dez anos. A cada edição, essa lista é atualizada por mim e por outros envolvidos no Programa.
Agradeço a Luciana Falcon, Igor Trabuco e todos os envolvidos da Bienal de Quadrinhos de Curitiba, do Itamaraty e das Embaixadas do Brasil que já encamparam projetos com o Programa. Agradeço tanto por terem me convidado quanto, principalmente, por fazerem esse projeto existir.
Considere que a apresentação abaixo foi um powerpoint. Embora esta parte da apresentação seja apenas minha (acompanhado de intérpretes), tanto em Angoulême quanto em Montevideo fiz a apresentação acompanhado por editores e quadrinistas brasileiros - André Diniz, Lélis, Marcello Quintanilha, Rogério de Campos e Luciana Falcon na França, Bebel Abreu e Raphael Pinheiro no Uruguai - que também tiveram suas falas.
La Trastornada Historieta Brasileña
ou
La Bouleversante Bédé Brésilienne
ou
O Conturbado Quadrinho Brasileiro
Esta é uma tira da Laerte, que muitos no Brasil chamamos de nossa maior quadrinista viva.
Os personagens dizem:
- Ei.
- Hm.
- Vamos fazer um fanzine?
Muitos quadrinistas, talvez muitos artistas brasileiros, dirão que este é o resumo perfeito do que é fazer quadrinhos no Brasil.
Como nós aqui e talvez vocês saibam, o Brasil está longe de ser um país estável.
Temos uma economia conturbada constante, uma política conturbada constante, uma crise ambiental e uma história conturbada. Um país permanentemente conturbado, trastornado, bouleversant.
É como se nós, brasileiros, estivéssemos sempre no hospital, tentando nos recuperar da última crise política, do último plano econômico, da última guerra cultural. De todas as crises que têm impacto forte em quem é brasileiro.
Mas aí você encontra alguém no leito do lado que diz:
“Opa. Vamos fazer um zine? Vamos fazer arte? Vamos fazer um quadrinho?”
Brasileiros vêm fazendo quadrinhos, ou algo parecido com quadrinhos, desde o século 19.
Fomos colônia de Portugal por 300 anos, tivemos uma independência mal-ajambrada em 1822 e, durante o reinado do nosso segundo e último imperador, o Brasil tinha alguma promessa e começou a atrair estrangeiros a tentar a sorte nesse novo mundo.
Foi Sébastien Sisson, um francês que emigrou ao Rio de Janeiro por volta da década de 1850, que publicou a primeira narrativa sequencial que se conhece no Brasil.
Angelo Agostini, um italiano que foi para São Paulo e depois para o Rio de Janeiro, foi considerado por muito tempo nosso primeiro bédéiste. Ele publicou AS AVENTURAS DE NHÔ QUIM em 1869.
Angelo Agostini é o nome de um dos nossos prêmios dos quadrinhos. E a data em que Agostini publicou NHÔ QUIM, 30 de janeiro, foi escolhida como Dia do Quadrinho Nacional.
Este ano, comemoramos oficialmente 155 anos do quadrinho brasileiro.
A República Brasileira foi proclamada em 1899 e, naquela época, nós já estávamos acompanhando as tendências da França e dos Estados Unidos nos quadrinhos.
O TICO-TICO, a revista infantil que estreou em 1905 e durou até os anos 1960, se baseou na revista francesa SEMAINE DE SUZETTE
Ela publicava quadrinhos nacionais junto aos franceses e norte-americanos.
Nos anos 1930, os grandes jornais de São Paulo e Rio de Janeiro começaram a publicar suplementos de quadrinhos, misturando HQs brasileiras e importadas.
O quadrinho podia ser o instrumento de formação da juventude nacional. Temos aí um dos nossos presidentes, barra, ditador Getúlio Vargas, estampando a capa de um suplemento.
No pós-Segunda Guerra, começamos a bater continência para os Estados Unidos.
Tanto nossas revistas quanto jornais começaram a ser praticamente dominados por quadrinhos importados dos EUA, como os da Disney.
Com uma grande, enorme exceção…
...que é a TURMA DA MÔNICA de Mauricio de Sousa: um quadrinho infantil que apareceu nos jornais por volta de 1960, depois migrou para revistinhas baratas e em seguida virou..
…um império de quadrinhos, animação, brinquedos...
…filmes, seriados de TV e muitos, muitos produtos licenciados.
Hoje, os personagens da Turma da Mônica aparecem em tudo, desde fraldas até tomates. Encontra-se Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali e Chico Bento praticamente em qualquer lugar do Brasil.
Passamos por uma ditadura militar de 1964 até meados dos anos 1980. Os quadrinhos e o cartum sempre estiveram na mira da censura, por causa da leitura rápida e do potencial de subversão rápida.
Seria melhor não termos vivido ditadura, é óbvio, mas a ditadura sempre rende cartunistas brilhantes. Aqui trago quatro:
Henfil, logo acima.
Jaguar.
Millôr.
E Ziraldo.
Assim que tivemos um país mais ou menos democrático, nos anos 1980, outros cartunistas, também subversivos, tomaram a frente para fazer crítica política - mas também crítica de costumes. Foram:
Angeli,
Glauco e
a já citada Laerte.
Eles publicavam revistas que vendiam centenas de milhares em bancas. O que é um número gigante para um país pobre e que ainda tinha um percentual vergonhoso de analfabetos.
Aliás, ainda hoje as vendas desses quadrinhos são imensas para os padrões brasileiros.
Teve um tempo em que isso parecia o futuro dos quadrinhos no Brasil.
Só que mais uma crise econômica derrubou tudo no início dos anos 1990...
O quadrinho brasileiro só foi se recuperar de fato no início dos anos 2000.
Esta recuperação foi o resultado de vários fatores:
A internet como espaço de publicação, de divulgação, de compra e venda.
Algumas mudanças de mercado, como a chegada dos mangás, que convidou um novo público leitor.
Os quadrinhos migraram das bancas para as livrarias, em forma de livros ou graphic novels.
Os festivais de quadrinhos, como FIQ, a Bienal de Quadrinhos de Curitiba e a CCXP.
E uma das mais importantes: o Programa Nacional Biblioteca na Escola, do governo federal, que comprava grandes tiragens de quadrinhos para distribuição em escolas…
…e levou muitas editoras, até então avessas aos quadrinhos, a lançarem seus selos de quadrinhos.
O Programa tinha uma preferência declarada por adaptações literárias, então nessa época muito se investiu em produzir adaptações para os quadrinhos da literatura, tanto brasileira quanto estrangeira.
Embora hoje o Brasil não tenha o ritmo de produção industrial que se vê, por exemplo, no quadrinho franco-belga, na América do Norte, no Japão e em outros mercados…
…o quadrinho que temos no Brasil é extremamente diversificado.
Há movimentos como o de maior inclusão de mulheres na produção, assim como de minorias, e de fuga do eixo cultural São Paulo-Rio de Janeiro.
O que nós tentamos mostrar no nosso Catálogo HQ Brasil é que, com uma folheada, vendo todos estes quadrinhos apenas de autores brasileiros, você consiga perceber…
…a variedade de estilos…
…a variedade artística…
…que você pare para saber mais daqueles que lhe interessam…
…e que você saiba que isto é só uma introdução ao quadrinho brasileiro.
Também que, de vez em quando, tem outras pessoas pelo mundo que têm reconhecido o quadrinho brasileiro.
E que nós mesmos, mesmo que ainda timidamente, temos reconhecido nossos artistas com alguns troféus nacionais.
Mas é bom lembrar a todos que tudo isso foi produzido dentro das condições mais adversas e esquisitas e conturbadas.
Estamos todos sofrendo, em crise, detonados, no leito hospitalar.
Mas, às vezes, você olha pro leito do lado, pergunta pro seu amigo ou pra sua amiga se querem fazer um quadrinho…
…e eles dizem “sim”.
Essa é a trastornada historieta brasileña.
Essa é a bouleversante bédé brésilienne.
Muchas gracias. Merci beaucoup.
Ainda não comentei aqui o 1o INTERNOTAS.
Eu e meus coleguinhas de Notas dos Tradutores - Mario Luiz C. Barroso e Carlos H. Rutz - vamos fazer nosso primeiro encontro/curso/internato com gente interessada em tradução.
Vai ser em Florianópolis, de 29 de novembro a 1 de dezembro. E convidamos todo mundo que quer traduzir profissionalmente, que já traduz, que nunca traduziu, que quer saber criticar tradução ou que quer descobrir se o reflexo do Mario aparece em espelhos.
Tem todas informações no nosso Instagram.
Gravamos um episódio para explicar tudo sobre o Internotas.
Na última terça-feira, participamos de uma live no Mundo Gonzo para falar do Internotas e tirar dúvidas de tradução.
Para quem já fez meus cursos na LabPub, é uma versão presencial, agora acompanhado de dois professores altamente gabaritados. E com a mesma proposta “mão na massa” de traduzir, traduzir, traduzir e aprender tradução traduzindo.
Todas informações no nosso Instagram e pelo e-mail notasdostradutores@gmail.com
Mal cheguei de viagem, já estou viajando de novo. Dessa vez em família. Hoje é feriado em terras gaúchas, virou feriadão. Volto na segunda-feira.
PROJETO TESLA está entregue desde a semana passada. PROJETO HOLIDAY também: foi uma tradução que passou tão rápido pela mesa que eu nem tive tempo de mencionar.
A primeira versão do PROJETO OCEANO está pronta. Faltam revisões.
Comecei mais duas traduções: fiz 200 e poucas páginas do PROJETO BLEFAROTOMIA e todas do PROJETO VESTA. Os dois são quadrinhos. O PROJETO VESTA é curto. Já terminei as revisões e entreguei também.
O final de projetos grandes coincidiu com essas viagens - a Montevideo e a deste fim de semana - e com a espera por umas três traduções que estão prometidas para o fim do ano. Dá um nervosismo na vida do frila. Espero que elas cheguem logo, e que não cheguem juntas.
Pra fechar, colaborei com o 2q News de 8/9:
E com o de 15/9:
Também teve o Lançamentos da Semana 12, no dia 11/9:
E o Lançamentos da Semana 13, que saiu agora, na quarta-feira:
Os links abaixo são de trabalhos meus que foram lançados há pouco tempo ou serão lançados em breve. Comprar pelos links da Amazon me rende uns caraminguás. Se puder, use os links. As datas podem mudar a qualquer momento e eu não tenho nada a ver com isso.
agora, no catarse
A ESTRANHA MORTE DE ALEX RAYMOND, Dave Sim e Carson Grubaugh, go!!! comics
em setembro
PONTOS FRACOS, Adrian Tomine, nemo
O ABOMINÁVEL SR. SEABROOK, Joe Ollmann, quadrinhos na cia.
SENHOR DAS MOSCAS, Aimée de Jongh (baseado no livro de William Golding), suma
KULL: A ERA CLÁSSICA vol. 2, Roy Thomas, Don Glut, Gerry Conway, John Severin, Marie Severin e outros, panini
CONAN, O BÁRBARO 4, Jim Zub, Doug Braithwaite e outros, panini
CONAN, O BÁRBARO 5, Jim Zub e Roberto de la Torre, panini
A ESPADA SELVAGEM DE CONAN 1, John Arcudi, Max von Fafner, Jim Zub, Patrick Zircher, Robert E. Howard, Roy Thomas, panini
STRANGER THINGS E DUNGEONS & DRAGONS, Jody Houser, Jim Zub, Diego Galindo e Msassyk, panini
LÚCIFER - EDIÇÃO DE LUXO vol. 4, Mike Carey, Ryan Kelly, P. Craig Russell, Marc Hempel, Ronald Wimberly e outros, panini
OS INVISÍVEIS EDIÇÃO DE LUXO vol. 2, Grant Morrison, Steve Yeowell, Steve Parkhouse e vários, panini
MOONSHADOW, J.M. DeMatteis, Jon J. Muth, pipoca & nanquim [reimpressão]
ZDM - EDIÇÃO DE LUXO vol. 2, Brian Wood, Kristian Donaldson, Nathan Fox, Riccardo Burchielli, Viktor Kalvachev, panini (traduzi metade das HQs e os extras)
em outubro
MINHA COISA FAVORITA É MONSTRO - LIVRO 2, Emil Ferris, quadrinhos na cia.
LOBO OMNIBUS VOL. 1, Keith Giffen, Alan Grant, Val Semeiks, Martin Emond e outros, panini [traduzi um terço do omnibus]
CONAN, O BÁRBARO: A ERA CLÁSSICA vol. 8, James Owsley, Val Semeiks, Geof Isherwood e outros, panini
OS INVISÍVEIS EDIÇÃO DE LUXO vol. 3, Grant Morrison, Phil Jimenez e vários, panini
Minha última tradução que entrou em pré-venda é A VINGANÇA DAS BIBLIOTECAS, de Tom Gauld. São as tiras do Gauld para o Guardian, sobre leitura, leitores, literatos e o mercado literário. É genial.
A Todavia gentilmente me convidou para escrever todos os textos de divulgação do material, como quarta capa, orelhas e release. Tudo que vocês verem de material oficial saiu destes dedos.
A VINGANÇA DAS BIBLIOTECAS [amazon]
em novembro
A VINGANÇA DAS BIBLIOTECAS, Tom Gauld, todavia
GRANT MORRISON E A HISTÓRIA, de Mario Marcello Neto, Felipe Radünz Krüger, Artur Lopes Filho e Márcio dos Santos Rodrigues (orgs.), Dokan Editora - escrevi a introdução
CONAN, O BÁRBARO 6, Jim Zub e Roberto de la Torre, panini
A ESPADA SELVAGEM DE CONAN 2, Jim Zub, Richard Case, Patrick Zircher, panini
vem aí
HOW TO e WHAT IF 2, Randall Munroe, companhia das letras
KRAZY & IGNATZ VOL. 2: 1919-1921, George Herriman, skript
SAPIENS VOL. 3, David Vandermeulen e Daniel Casanave, quadrinhos na cia.
COMIC BOOKS INCORPORATED, Shawna Kidman
ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS e ATRAVÉS DO ESPELHO, Lewis Carroll
FEEDING GHOSTS, Tessa Hulls, quadrinhos na cia.
mais BONE de Jeff Smith (e amigos), todavia
+ Adrian Tomine
+ Dan Clowes
+ Shaun Tan
+ Will Eisner
+ Gato Pete
+ Mike Birchall
+ Lore Olympus
+ Projeto Camalote
+ Projeto Tylenol
+ Projeto Fritas
+ Projeto Baleial
+ Projeto Kitty
+ Projeto Sopa
+ Projeto Dadaab
+ Projeto Tesla
+ Conan
+ Stranger Things
Todas as minhas traduções: ericoassis.com.br
Meu nome é Érico Assis. Sou jornalista e tradutor. Escrevo profissionalmente sobre quadrinhos desde 2000, traduzo profissionalmente desde 2009. Sou um dos criadores do podcast Notas dos Tradutores, colaboro com o canal de YouTube 2Quadrinhos e com o programa Brasil em Quadrinhos do Ministério das Relações Exteriores. Dou cursos de tradução na LabPub. E escrevo esta nius.
Publiquei dois livros: BALÕES DE PENSAMENTO 1 e 2, disponíveis em formato digital e físico na Amazon.
Tem mais informações no meu website ericoassis.com.br.
Se gostou da edição, por favor, compartilhe. Encaminhe o e-mail ou espalhe o link por aí.
Gostou muito? Contribua como assinante pagante. Custa só R$ 12 por mês ou R$ 120 por ano:
Ou dê a assinatura de presente pra alguém:
Gostou muito mas não pode se comprometer com pagamento mensal ou anual? Tudo bem. Faça um PIX usando o código
00020126400014br.gov.bcb.pix0111971135900630203Pix5204000053039865802BR5924ERICO GONCALVES DE ASSIS6007PELOTAS62170513virapaginapix6304EE8F
Ou o QRCode abaixo, no valor que você quiser:
E que você vire ótimas páginas até a semana que vem.
Li todas as newsletter até agora e acho que essa foi uma das minhas favoritas, parabéns, ficou demais
Não conhecia esse catálogo de quadrinhos brasileiros, muito legal!