A noite foi conturbada, a semana foi conturbada, o trabalho da semana não rendeu e o dia não vai render. Queria escrever sobre outro assunto, mas hoje a virapágina sai com um texto de arquivo: a resenha de O HOMEM QUE PASSEIA, de Jiro Taniguchi, que saiu na Folha de S. Paulo em 2017.
É um dos meus quadrinhos preferidos da vida. Se puder, leve ele para um passeio e leia.
Jiro Taniguchi teve carreira de mais de 40 anos no quadrinho japonês. Entre histórias policiais, de aventura, ficção histórica e eróticas, ficou mais conhecido no ocidente por HQs contemplativas e delicadas, que remetem aos aspectos da placidez e da ponderação na cultura japonesa.
O HOMEM QUE PASSEIA é o epítome desta fase e destes temas na sua obra. Produzida no início dos anos 1990, a sequência de contos ganha sua primeira edição nacional sincronizada, por coincidência ou não, com a morte do autor em fevereiro [de 2017], aos 69 anos.
O prefácio brasileiro por Hermano Vianna faz uma comparação certeira entre as pequenas histórias – são dezoito, por volta das dez páginas cada – com os haicais. Tal como a tradição da forma poética, os episódios geralmente exaltam algum aspecto da natureza; de repente, têm uma quebra, abrupta; ali, a narrativa quase sempre se fecha.
O personagem inominado de Taniguchi não caminha por exercício e geralmente caminha sem meta. Pode ser uma caminhada voltando do trabalho. Um passeio pela montanha ou pelo centro comercial. Visitar um parque, margear um rio. Caminhar bêbado. Ele nunca corre, tampouco usa tênis ou traje de esportista. Muitas vezes está com seu terno de sarariman.
A caminhada pode ter um propósito, como levar o cachorro para passear ou carregar uma tela de junco da loja até em casa. Faz parte das caminhadas parar quando bem se entende – para subir numa árvore e admirar o poente, para tomar água da torneira, para invadir a piscina pública depois do horário. Para ler um livro num café.
No episódio de maior “ação”, nosso personagem depara-se com outro homem caminhante e os dois entram em uma disputa de velocidade – tácita, serena, cavalheiresca. Ao fim, resolvem caminhar juntos. Os episódios têm pouquíssimas falas, mas, neste, Taniguchi não usa palavra nenhuma.
LINHA CLARA – Depois de vários prêmios no Japão e na Europa, Taniguchi foi alçado a Cavaleiro das Ordem das Artes e das Letras da França em 2011. Um dos motivos pelo encanto do cerne do quadrinho europeu com o japonês era seu desenho, herdeiro da “linha clara” – traços limpos e quase sem sombra, com tramas igualmente límpidas, parte da tradição franco-belga de HQ.
Embora o homem passeante de Taniguchi não tenha as aventuras de um Tintim, as histórias são elementares e o traço é um descanso para os olhos. Mesmo quando o desenho se torna quase científico - para representar árvores e passarinhos, ou para mostrar a profusão de estímulos de um centro urbano japonês - o contraste entre geométrico e orgânico se mantém simplista, delicado.
A edição brasileira inclui histórias do autor que não fazem parte do ciclo original de “O Homem que Passeia”, mas que têm alguma relação com o tema da caminhada. O mais notável nestes extras é a mudança do traço e temas mais complexos, como a infidelidade e o sobrenatural.
Ao final da edição, em entrevista, Taniguchi diz que não tem “uma filosofia específica da caminhada”. Logo a seguir se contradiz e começa a explicar sua filosofia: caminhar sem objetivo, sem limite de tempo, em “estado de disponibilidade”, de forma a “possibilitar sensações novas, sentimentos novos”.
Tenha ou não tenha uma filosofia, Taniguchi foi um pensador da poesia do passeio.
O HOMEM QUE PASSEIA, Jiro Taniguchi (trad. Arnaldo Oka), devir [amazon]
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agora, no catarse - SÓ ATÉ O SÁBADO, DIA 9!
A ESTRANHA MORTE DE ALEX RAYMOND, Dave Sim e Carson Grubaugh, go!!! comics
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GAROTO-ENXAQUECA, Greg Fiering, barbante
A VINGANÇA DAS BIBLIOTECAS, Tom Gauld, todavia
OS INVISÍVEIS EDIÇÃO DE LUXO vol. 3, Grant Morrison, Phil Jimenez e vários, panini
LOBO OMNIBUS VOL. 1, Keith Giffen, Alan Grant, Val Semeiks, Martin Emond e outros, panini [traduzi um terço do omnibus]
CONAN, O BÁRBARO 5, Jim Zub e Roberto de la Torre, panini
A ESPADA SELVAGEM DE CONAN 1, John Arcudi, Max von Fafner, Jim Zub, Patrick Zircher, Robert E. Howard, Roy Thomas, panini
CONAN, O BÁRBARO: A ERA CLÁSSICA vol. 8, James Owsley, Val Semeiks, Geof Isherwood e outros, panini
STRANGER THINGS E DUNGEONS & DRAGONS, Jody Houser, Jim Zub, Diego Galindo e Msassyk, panini
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JOE HILL DARK COLLECTION VOL. 2, Joe Hill, Jason Ciaramella, Vic Malhotra, Nat Jones Charles, Paul Wilson III, darkside
CONAN, O BÁRBARO: A ERA CLÁSSICA VOL. 9, Val Semeiks, Michael Higgins, Ron Lim e vários, panini
CONAN, O BÁRBARO 6, Jim Zub e Roberto de la Torre, panini
A ESPADA SELVAGEM DE CONAN 2, Jim Zub, Richard Case, Patrick Zircher, panini
STRANGER THINGS: HOLIDAY SPECIALS, vários autores, panini
em janeiro
PATRULHA DO DESTINO POR RACHEL POLLACK - EDIÇÃO DE LUXO VOL. 1, Rachel Pollack, Richard Case, Scot Eaton, Linda Medley e vários, panini
vem aí
HOW TO e WHAT IF 2, Randall Munroe, companhia das letras
KRAZY & IGNATZ VOL. 2: 1919-1921, George Herriman, skript
SAPIENS VOL. 3, David Vandermeulen e Daniel Casanave, quadrinhos na cia.
FEEDING GHOSTS, Tessa Hulls, quadrinhos na cia.
mais BONE de Jeff Smith (e amigos), todavia
COMIC BOOKS INCORPORATED, Shawna Kidman
ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS e ATRAVÉS DO ESPELHO, Lewis Carroll
+ Adrian Tomine, Dan Clowes, Shaun Tan, Will Eisner, Mike Birchall
+ Gato Pete, Primeiro Gato no Espaço, Lore Olympus, Conan
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Todas as minhas traduções: ericoassis.com.br
Meu nome é Érico Assis. Sou jornalista e tradutor. Escrevo profissionalmente sobre quadrinhos desde 2000, traduzo profissionalmente desde 2009. Sou um dos criadores do podcast Notas dos Tradutores, colaboro com o canal de YouTube 2Quadrinhos e com o programa Brasil em Quadrinhos do Ministério das Relações Exteriores. Dou cursos de tradução na LabPub. E escrevo esta nius.
Publiquei dois livros: BALÕES DE PENSAMENTO 1 e 2, disponíveis em formato digital e físico na Amazon. Estão com desconto esta semana!
Tem mais informações no meu website ericoassis.com.br.
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Texto lindo! Comprei O Homem que Passeia no início da semana, quando você indicou pela promoção. Agora tô mais ansiosa ainda pra chegar logo! E feliz que vem aí mais tradução de Primeiro Gato no Espaço!
A quinta tela lembra o personagem Hirayama - Koji Yakusho - em Perfect Days, com sua máquina fotográfica analógica