A CCXP está rolando neste momento em São Paulo. Não estou lá. Gostaria de estar por vários motivos - as várias pessoas que só encontro na CCXP - e estou gostando de assistir de longe por outros motivos - todos os que envolvem chegar na CCXP.
Ontem eu estava conversando no BlueSky com um autor que comentou a quantidade de pessoas na CCXP com aqueles cordões de quebra-cabeça ou girassol no pescoço. “Tô me sentindo em casa”, disse o Rodrigo Ortiz. Comentei que isso é uma percepção que tive em todas as CCXP que eu fui: a quantidade de PCDs e pessoas atípicas. Não sei se isso é uma constante em eventos de São Paulo, se é algo que a CCXP estimula ou se tem a ver com o perfil do público-alvo. Acho que é a última opção.
Eu já tinha escrito isso. Fui procurar: foi quando saí da CCXP de 2019.
Outra visão que sempre me impressiona na CCXP: cadeirantes e outras pessoas com deficiência que devem ter penado para chegar ali, mas chegam e, pelo que eu vejo, são respeitados de um jeito que não se vê no, hã, "mundo real". Fala-se muito dos nerds nojentos, mas o que eu vejo na CCXP, na maioria de nós, é a predisposição a dar licença, a pedir desculpa por um esbarrão, a dar passagem a uma criança ou uma PCD. É uma zona autônoma temporária onde o mundo pode funcionar como a gente vê nos mundos que a gente consome. O cosplay de gentileza.
É um pouco do que eu ouvi de uma pessoa na saída da primeira CCXP, exatamente há dez anos - mas falando dos nerds, geeks e todos nós estranhinhos:
"É que pra quem tá aí com seu 30, 35 anos, que cresceu sendo rejeitado por ser nerd, por ser O DIFERENTE, agora tem esse espaço onde pode exercer a sua PERTENÇA", me explicou um cara na van pro aeroporto. Perguntei se ele era antropólogo. "Não, eu sou matemático", respondeu. E depois: "Até ano que vem!"
De 2022, aqui. O quadrinho é A MENOR DISTÂNCIA ENTRE DOIS PONTOS É UMA FUGA, de Gabriel Nascimento e João Henrique Belo.
Quando voltei da minha última CCXP, em 2022, fiz uma enquete entre autores do Artists’ Valley sobre ganhos, perdas, lucros e prejuízos em ser um dos 500 expositores daquela grande feira - a maior do quadrinho brasileiro. Muitos tinham ido mal, alguns tinham tirado seu décimo-terceiro com bônus e vários não estavam nem aí pras contas.
Pensei em republicar esse texto aqui, hoje. Mas… não. Vai que me dá vontade de fazer a mesma enquete com os participantes desse ano, e eu não tenho esse tempo. (Se alguém fizer, me avise!)
Tem outro texto de que eu me lembro toda vez que lembro da CCXP, que foi sobre o painel com o Don Rosa em 2014. Mas esse vai ficar pra um livro ou outra ocasião.
Encontrei outro texto que escrevi pro Blog da Companhia, no início de 2020 - logo depois de eu voltar da CCXP 2019. Acho que ainda se sustenta. Chama-se “O Beco”. Hoje devia se chamar o “O Vale”, pois o Artists’ Alley virou Artists’ Valley. Mas enfim. Vai com fotos que eu tirei em 2019.
Wagner Willian com seu SILVESTRE.
O Beco
Eu ia fazer pela ordem: todo o corredor A, depois todo o B, depois o C, até chegar no H. Uma olhada em cada mesa. Parar nas que interessavam. Na ordem.
Não terminei a A. Tinha um conhecido que eu queria cumprimentar lá do outro lado, a fila que eu tinha visto na D diminuiu, tava na hora de um painel que eu precisava cobrir. Podia ter voltado depois e terminado o A, depois percorrer todo o B, depois o C. Na ordem. Não aconteceu. Ziguezagueei pelos corredores por quatro dias e não vi tudo.
Foi o sexto ano de Artists’ Alley da Comic Con Experience. A CCXP é uma Disney nerd temporária – brinquedos, loja de lembrancinha em cada esquina, Pateta e o elenco de Star Wars dando tchauzinho de longe – que se instala na São Paulo Expo uma vez por ano, durante quatro dias. O Artists’ Alley virou a maior feira de quadrinho independente no Brasil, com mais de 500 autores. É a feirinha de artesanato no meio da Disney.
Em seis anos, a conclusão crítica sobre o Alley se assentou assim: quem reclama que “é um evento de quadrinho, mas quadrinho é o que menos tem” defende que vai lá só para ficar no artesanato; quem está ali por Star Wars e não lê quadrinho acaba passando pelo artesanato, não entende direito, se encanta e leva dois ou dez prints; os Artists continuam fazendo quadrinho, mas sacaram que têm fazer mais prints. E pins. Este ano, a moda foi fazer pins.
Alley é uma passagem, uma travessa, um beco entre prédios. O AA da CCXP fica literalmente entre torres de editoras, lojas de roupas, canais de TV e da Maurício de Sousa Produções. Mas é quase do tamanho de um campo de futebol. É um dos 16 campos de futebol que cabem na CCXP, então a proporção não é de alley. Mas chamar de “beco” dá um gosto underground. Não é um beco, mas é legal chamar de beco. Mesmo que todo mundo tenha aquelas maquininhas de cartão de crédito do tamanho de calculadora.
A Ing Lee, de Belo Horizonte, fez um gibi vertical em risografia sobre o karaokê que gosta de visitar em São Paulo. Kophee, do Guilherme Match, de Curitiba, tem personagens que amam café de verdade e você pode comprar a HQ com um saquinho de café de verdade. O Julius Ckvalheiyro inventou um bookplate pra vender junto à HQ porque ouviu dizer que bookplate está na moda. A coletânea VHS é do tamanho e peso de uma fita VHS e vem dentro de uma luvinha típica das fitas de VHS.
Se você aperta a mão do Júlio Shimamoto – 80 anos, desenhista desde os 17, nipo-paulista que mora no Rio –, descobre que calejado não é metáfora. O Paulo Moreira, de João Pessoa, 99 mil seguidores no Twitter, teve fila ininterrupta por quatro dias. Ota – o Otacílio Costa d’Assunção Barros, lendário editor da Mad – andava com seus gibis no bolso de um desses coletes de fotógrafo.
Alguém me para:
– Já viu essa aqui, Irreversível, da Anna Maeda e do Daniel Ianae? Olha que coisa linda.
É lindo mesmo. Onde tem?
– Não lembro qual é a mesa. É pra lá.
“Lá” é um corredor comprido. Mas preciso da Irreversível. Procuro por uns minutos, desisto. Chego no hotel e descubro que já tinha comprado.
Os quadrinhos independentes são bonitos, bem impressos, atraentes e, pro meu bolso, caros. Não é ganância dos autores: gráfica está caro, assim como tudo está caro. Meu método de seleção, ainda imperfeito, é escolher pela capa, pegar para folhear e ver se aquilo me chama nos segundos de folheada. Geralmente chama. Caso não chame, fico torcendo que apareça mais alguém na mesa e distraia o autor ou autora, pois ele ou ela está ali na frente, me encarando, esperando uma reação ou meu cartão.
Tenho uma queda por títulos compridos. Tem um da Tietbo chamado Um livro chamado comendo farofa pura e chorando. Tem o Gibi fofinho e melancólico que a minha namorada pediu para fazer do Alexandre Szolnoky. Segunda-feira eu paro, nome excelente para uma antologia sobre vícios. E a coleção de zines do Gabriel Dantas: Não pedi para estar aqui, Talvez tudo fique bem e Me perdoe por te decepcionar pela décima vez.
O Dantas é um tanto quanto obsessivo em preencher os brancos da página. O autógrafo dele recobre toda a segunda capa do meu Me perdoe por te decepcionar pela décima vez.
Também ganhei um índio do Carlos Estefan, uma silhueta diante da lua do André Diniz, uma efígie de cachorro do Felipe Nunes, uma carranquinha da Mayara Lista e um crânio de boi do Match que me pergunta "do que você tem medo?”. A Amanda Miranda deixou um fragmento de poesia: "espero que essa carta chegue a você sem tropeçar nos escombros do nosso futuro". Dentro da Liget n. 3, do KZ, um cartão de Natal: “Feliz Festivus e Serenidade Já!”
Fábio Moon e Gabriel Bá (sqn)
Tenho curiosidade de chegar em cada um e entrevistar: o que você gosta de ler? Por que quadrinhos? O que você faz na vida real? É publicitária? Dentista? Padeiro? Arquiteta? Seu apartamento é maior que esta mesa? O que você tomou pra passar as madrugadas produzindo isso aqui?
Mas não pergunto, não converso e, se perguntam se eu quero autógrafo, digo que não. A pessoa já teve que fazer um monte de autógrafos e, se comprei um gibi dela, é porque gostei e prefiro que ela use o tempo para pensar e fazer mais gibis, não para fazer autógrafos nem ficar jogando conversa fora com o estranho.
E outra: eu deveria ter chegado no hotel, lido o gibi e voltado para conversar no dia seguinte com o gibi lido. A realidade foi desabar no hotel todas as noites e não ler nada. Agora, tenho uma pilha de 71 gibis da fina flor do quadrinho independente brasileiro de 2019 e espero aquele dia de férias em que vou sentar do lado da pilha para ler cada um.
Esses dias, Warren Ellis escreveu que a característica que une os autores é a vontade de produzir aquilo que não encontram pra ler. O que se encontra no Artist's Alley é o que há de mais inovador, vibrante, desafiador nos quadrinhos. Alguns ali vão sair do beco e, daqui a duas ou três CCXP, estarão nas torres da volta. A maioria, não.
Leitores tendem a querer o contrário dos autores: procuram o conhecido, o confortável, o nostálgico, o que já é torre. Por enquanto, o que esses autores do Alley fazem não se encontra nem em torres nem em outros artesanatos. É por isso que eu gosto daquele beco.
Esta semana:
traduzi/revisei extras de PATRULHA DO DESTINO POR RACHEL POLLACK volume 1 - e entreguei.
traduzi/revisei extras do PROJETO SATANÁS - e entreguei.
revisei 258 páginas de PROJETO RISCA
traduzi 175 páginas do PROJETO RETO
comecei a revisão final do PROJETO BEVERLY HILLS: 12 laudas
E comecei a tradução de CRUMB: A CARTOONIST’S LIFE, de Dan Nadel. Traduzi 50 laudas de aproximadamente 500. Vai ser meu trabalho de formiguinha até abril - entrego a tradução quando o livro estiver sendo lançado na gringa.
Teve um vídeo de Lançamentos da Semana no 2Quadrinhos em que eu colaborei:
E estou traduzindo as entrevistas rapidinhas que o Vinicius 2Q faz na CCXP, como essa com Kevin Maguire:
Os links abaixo são de trabalhos meus que foram lançados há pouco tempo ou serão lançados em breve. Comprar pelos links da Amazon me rende uns caraminguás. Se puder, use os links. As datas podem mudar a qualquer momento e eu não tenho nada a ver com isso.
agora, no Catarse:
A ESTRANHA MORTE DE ALEX RAYMOND - CAMPANHA ESTENDIDA (LATE PLEDGE), Dave Sim e Carson Grubaugh, go!!! comics
em novembro
GAROTO-ENXAQUECA, Greg Fiering, barbante
A VINGANÇA DAS BIBLIOTECAS, Tom Gauld, todavia
em dezembro
JOE HILL DARK COLLECTION VOL. 2, Joe Hill, Jason Ciaramella, Vic Malhotra, Nat Jones Charles, Paul Wilson III, darkside
CONAN, O BÁRBARO: A ERA CLÁSSICA vol. 8, James Owsley, Val Semeiks, Geof Isherwood e outros, panini
CONAN, O BÁRBARO 5, Jim Zub e Roberto de la Torre, panini
A ESPADA SELVAGEM DE CONAN 1, John Arcudi, Max von Fafner, Jim Zub, Patrick Zircher, Robert E. Howard, Roy Thomas, panini
OS INVISÍVEIS EDIÇÃO DE LUXO vol. 3, Grant Morrison, Phil Jimenez e vários, panini
LOBO OMNIBUS VOL. 1, Keith Giffen, Alan Grant, Val Semeiks, Martin Emond e outros, panini [traduzi um terço do omnibus]
STRANGER THINGS E DUNGEONS & DRAGONS, Jody Houser, Jim Zub, Diego Galindo e Msassyk, panini
STRANGER THINGS: HOLIDAY SPECIALS, vários autores, panini
em janeiro
O PRIMEIRO GATO NO ESPAÇO E A SOPA DA PERDIÇÃO, Mac Barnett e Shawn Harris, baião
PATRULHA DO DESTINO POR RACHEL POLLACK - EDIÇÃO DE LUXO VOL. 1, Rachel Pollack, Richard Case, Scot Eaton, Linda Medley e vários, panini
CONAN, O BÁRBARO 6, Jim Zub e Roberto de la Torre, panini
A ESPADA SELVAGEM DE CONAN 2, Jim Zub, Richard Case, Patrick Zircher, panini
CONAN, O BÁRBARO: A ERA CLÁSSICA VOL. 9, Val Semeiks, Michael Higgins, Ron Lim e outros, panini
Apareceu como “lançamento” na Amazon essa coleção de ÔNIBUS, do Paul Kirchner, que saiu no ano passado pela Risco. É um daqueles quadrinhos lendários, em que eu nunca achei que eu fosse tocar. Recomendo com força. [amazon]
vem aí
HOW TO e WHAT IF 2, Randall Munroe, companhia das letras
KRAZY & IGNATZ VOL. 2: 1919-1921, George Herriman, skript
SAPIENS VOL. 3, David Vandermeulen e Daniel Casanave, quadrinhos na cia.
FEEDING GHOSTS, Tessa Hulls, quadrinhos na cia.
mais BONE de Jeff Smith (e amigos), todavia
COMIC BOOKS INCORPORATED, Shawna Kidman
ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS e ATRAVÉS DO ESPELHO, Lewis Carroll
+ Adrian Tomine, Dan Clowes, Shaun Tan, Will Eisner, Mike Birchall, Lucie Bryon, James Tynion IV, Becky Cloonan
+ Gato Pete, Lore Olympus, Conan, Lúcifer, Sonic
etc. etc. etc.
Todas as minhas traduções: ericoassis.com.br
SOMETHING IS KILLING THE CHILDREN n. 0, de James Tynion IV, Werther Dell’Edera, Miquel Muerto e Andworld Design.
THE POWER FANTASY n. 2, Kieron Gillen, Caspar Wijngaard, Clayton Cowles. #brazilmentioned
LA DERNIÈRE REINE, de Jean-Marc Rochette. “Faça-me nuvem.”
Se você, diferente de mim, está na CCXP, minha recomendação máxima é pegar os três lançamentos do Wagner Willian: NINGUÉM TRABALHA MAIS DO QUE AS OPERÁRIAS, SE EU SOUBESSE DESENHAR e ONÇA-ME. O homem já era brilhante, agora atingiu outro nível.
Meu nome é Érico Assis. Sou jornalista e tradutor. Escrevo profissionalmente sobre quadrinhos desde 2000, traduzo profissionalmente desde 2009. Sou um dos criadores do podcast Notas dos Tradutores, colaboro com o canal de YouTube 2Quadrinhos e com o programa Brasil em Quadrinhos do Ministério das Relações Exteriores. Dou cursos de tradução na LabPub. E escrevo esta nius.
Publiquei dois livros: BALÕES DE PENSAMENTO 1 e 2, disponíveis em formato digital e físico na Amazon.
Tem mais informações no meu website ericoassis.com.br.
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Que imagem genial essa do beco em meio aos prédios, Érico. Vou usar em outros contextos, inclusive.