O texto abaixo saiu em 2016 no Blog da Companhia. Tenho reunido todos os meus textos que saíram naquele Blog nos meus livros, BALÕES DE PENSAMENTO, mas este não vai entrar. Porque precisaria das imagens, e levaria uma vida conseguir autorização para todas essas imagens em um livro.
Mas olha só: é um texto que fala sobre virar páginas.
Falando em imagens, descobri que Gmail e talvez alguns softwares de e-mail cortam minha newsletter na metade ou no final. É por causa da quantidade de imagens, e acho que não tem como configurar para eles não cortarem. Nem eu quero usar menos imagens. Então, se você ver “[Mensagem cortada] Exibir toda a mensagem” ou algo parecido em algum momento, você tem que clicar, pois você não viu toda a virapágina. E é óbvio que você precisa ver.
Esta coluna vai ser só desculpa para mostrar página bonita. Desculpe se ficar com cara de aula. Aula com Powerpoint, ainda por cima.
Slide, por favor.
A página de quadrinho vive numa tensão entre o ritmo que o autor tenta impor ao jeito como você lê e o tempo que você leva, de fato, para ler.
O autor tem (todos os envolvidos na página – roteirista, desenhista, colorista, letreirista – têm) vários recursos para tentar controlar seu olho: a composição dos traços, as cores, a posição do texto, a densidade de texto, a quadriculação etc. Você, leitor, chega na página e, mesmo sabendo que a história vai começar ou vai ser retomada da ponta esquerda superior, você é atraído... pelo que seu olho achar mais legal.
Existe uma sequência lógica, quase sempre clara, entre os quadros. O autor, contudo, não tem como marcar quanto tempo você vai passar em cada cena. Não é cinema. Também não tem como impedir que você veja o final da cena – ou da página – antes do início. Bons quadrinhos sabem que você, leitor, vai quebrar a ordem.
Um minutinho de teoria: Pierre Fresnault-Deruelle, crítico e pesquisador francês, fala do linear contra o tabular na página de HQ. Por mais que a ordem de leitura da página seja clara (linear – um quadro depois do outro), é inevitável que você veja ou absorva a página inteira (tabular) assim que a encontra.
Virtuoses dos quadrinhos tendem a pensar no tabular – como compor uma página bonita – enquanto montam o linear – a sequência lógica.
No caso da página acima: apesar de você saber que a leitura começa lá pelo quadro do alto, é difícil segurar o olho para ele não cair nessa bola bem no meio. (Na qual o quadrinista ainda encaixou pequenos quadros de zoom do ambiente e aquele salto que desafia a quadriculação. É um exibido esse desenhista, o ACO. Adoro.)
O grande esquema está numa coisa que é praticamente exclusiva aos quadrinhos: a virada de página.
Sim, pessoas viram páginas desde que aprenderam a colocar uma página em cima da outra. Você também vira páginas na prosa. Mas virar a página de uma HQ é como puxar um lacre para uma paisagem nova. Abrir a persiana da janela sem ter ideia de como é a vista. Várias vezes.
E fica difícil não absorver este panorama, esta vista, antes de seguir a leitura, obedientemente, a partir da esquerda superior.
No quadrinho impresso, aliás, esse panorama é de duas páginas.
Há quem não dê a mínima bola para o tabular. Hergé aparentemente fazia seus Tintins um quadro depois do outro e tem aí um dos quadrinhos mais queridos do mundo. Webtoons são, de fato, os quadrinhos mais queridos do mundo e até aboliram a ideia de página (embora tenham outras tensões que sejam legais no seu formato vertical, de tripa ou pergaminho). Mas o tabular é um recurso disponível ao quadrinista, queira ele usar ou não.
Dentro dessa ideia de manipulação de tempo, a página inteira – splash page, para os entendidos – é um dos recursos mais interessantes. Enquanto antigamente era algo comum às primeiras páginas de história, hoje os autores gostam de surpreender com uma splash no meio da história.
(Na falta de uma virada de página autêntica, fica esta linha de texto.)
(Pausa para tradução: “No começo, o amor tem muito de um mentir pro outro”. Uma das grandes frases de SAGA.)
O importante da splash está em como o quadrinista tenta controlar o tempo de leitura antes de se chegar nela e, é óbvio, o que você coloca na própria splash. O tabular toma conta. Você quer que o leitor pare ali, atente àquele quadro-que-é-uma-página.
Comentário rápido: incrível encontrar duas splashes, ainda mais de gibi americano, que não são de personagens se socando, e sim de personagens falando de amor.
Menti, isso não é uma aula. Eu só queria mostrar mostrar essas páginas. Lindas, né?
Todas as páginas acima são de HQs que li em 2016. Fontes e créditos:
BLACK WIDOW n. 5, p. 14 - Chris Samnee, Mark Waid, Mattew Wilson e Joe Caramagna.
JUPITER’S LEGACY II n. 2, p. 1 - Mark Millar, Frank Quitely, Peter Doherty e Sunny Gho.
THE SHERIFF OF BABYLON n. 11, p. 22 - Tom King, Mitch Gerards e Travis Lanham.
MIDNIGHTER n. 6, p. 1 – Steve Orlando, ACO, Hugo Petrus, Romulo Fajardo Jr. e Tom Napolitano.
DEPT H n. 1, p. 13 – Matt Kindt, Sharlene Kindt e Marie Enger.
THE WICKED + THE DIVINE n. 17, p. 10-11 – Kieron Gillen e Brandon Graham.
STARVE n. 8, p. 21 – Brian Wood, Danijel Zezelj e Dave Stewart.
SAGA n. 39, p. 17 e 18 – Fiona Staples, Brian K. Vaughan e Fonografiks.
VISION n. 2, p. 8 – Tom King, Gabriel Hernandez Walta, Jordie Bellaire e Clayton Cowles
Aos ufanistas que reclamarem que só tem gibi do Trump nessa coluna, fica de dever de casa ler O FUTURO, de Denny Chang – disponível na íntegra aqui – e entregar 1000 palavras sobre a tensão linear/tabular até a próxima aula.
Já contei que, antes de saírem para a praia, editoras e editores encostaram caminhões na minha porta e despejaram trabalho de três meses para ser feito em um. Janeiro. E tudo bem, eu transfiro minhas férias pra fevereiro.
O que eu não contei foi que, para devolver as traduções para as caçambas, resolvi fugir de casa. Aluguei a salinha de um coworking e estou trabalhando aqui, sem toda as distrações da minha casa na volta (leia-se: meus filhos estão de férias). Pela primeira vez em uns vinte anos, saio de casa de manhã e volto no fim da tarde, como um bom trabalhador.
O quanto essa salinha que tem uma mesa, uma cadeira, meu notebook, um monitor, um armário, um climatizador, um quadro com mensagem de incentivo em inglês e duas plantas tem que render? É o seguinte:
PROJETO PREGAS: O maior e mais assustador, que exige concentração total e uma quota séria por dia para ficar pronto no prazo. Mas também tem que ser uma quota sadia, porque se eu fizer só ele, saio de saiote e machado nas ruas antes de metade de janeiro. 613 páginas, já fiz primeira versão de 170.
PROJETO MAO: Que a Companhia das Letras pediu para eu pausar na metade no fim do ano passado e fechar o PROJETO SICLOS. Acabei e entreguei o SICLOS. Já tinha feito 220 páginas de MAO, faltam 180. Mais revisões.
PROJETO PIZZA1: Não sei se foi coincidência, mas um dia depois de eu reclamar que faltava quadrinho infantil bom no mercado, me passaram a tradução deste. Que é infantil e muito bom. 320 páginas, mas rápido de fazer. Já traduzi todas, falta revisões.
PROJETO RECOMEÇO: Outro infantil, mas não quadrinho, que, eu juro, apareceu no último dia útil do ano. É fácil, é relativamente rápido. 60 páginas. Faltam só revisões, para entregar semana que vem.
PROJETO PORQUINHO: Uma boa surpresa, para eu falar melhor em outra hora. 320 páginas, já fiz 140.
PROJETO VIDRO2: Gosto muito do roteirista, gosto ainda mais do desenhista. 132 páginas, a começar.
PROJETO BRUXO: 198 página, também a começar.
PROJETO BEIJOGREGO: 400 páginas, também a começar.
Na salinha, já terminei dois projetos que comecei no ano passado. Primeiro, o PROJETO WALLACE, que não é tradução e tem a ver com o FIQ. Entreguei os textos hoje.
O segundo, que eu chamava de PROJETO BICENTENÁRIO, foi entregue hoje e já está até em pré-venda: VAMPIRO AMERICANO EDIÇÃO DE LUXO VOL. 5, que é a conclusão da série que eu traduzo desde… caramba, desde 2010. Dá para comprar aqui. Ao contrário das outras Edição de Luxo, essa vai trazer material inédito.
Ainda tenho o acompanhamento editorial dos dois livros do Will Eisner, GRAPHIC STORYTELLING AND VISUAL NARRATIVE e EXPRESIVE ANATOMY. Que não é tradução, é acompanhar, revisar o trabalho de gente em quem eu confio. Consome umas horas, mas é suave.
E tenho que dar aulas na LabPub a partir da semana que vem. Claro que resolvi mudar todos os exercícios do meu curso na pior hora possível, mas agora não tem volta. Vai ser legal. Aula sempre revigora, dá ideias.
Isso vai ser janeiro. Nessa salinha.
(Sou eu que tenho que cuidar das plantas ou é o pessoal do coworking? Em casa eu não tenho plantas.)
Os links abaixo são de trabalhos meus que serão lançados em breve. Comprar pelos links da Amazon me rende uns caraminguás. Se puder, use os links.
As datas podem mudar.
em janeiro
KULL: A ERA CLÁSSICA (OMNIBUS), Roy Thomas, Berni Wrightson, Marie Severin, John Severin, Doug Moench, John Bolton, Chuck Dixon, Dale Eaglesham e grande elenco, panini
CONAN, O BÁRBARO: A ERA CLÁSSICA VOL. 7, James Owsley, John Buscema, Val Semeiks e mais, panini
SANDMAN APRESENTA VOL. 8: TEATRO DA MEIA-NOITE, Neil Gaiman, Matt Wagner, Teddy Kristiansen e outros, panini [metade do volume tem outras HQs por outros tradutores]
CONAN, O BÁRBARO 1, Jim Zub, Roberto De La Torre, José Villarubia, Dean White, panini
TERRA LIVRE: UM CONTO DA CRUZADA DAS CRIANÇAS, Neil Gaiman, Chris Bachalo, Alisa Kwitney, Jamie Delano, Peter Snejbjerg, Toby Litt, Peter Gross e mais, panini
A BRIGADA DOS ENCAPOTADOS, K.W. Jeter, John K. Snyder III, Dave Louapre, Dan Sweetman, Alisa Kwitney, Guy Davis, John Ney Rieber, John Ridgway, panini
NOVEMBRO VOL. 4, Matt Fraction, Elsa Charretier, Matt Hollingsworth, risco [em campanha no catarse!]
PLANETARY OMNIBUS, Warren Ellis, John Cassaday, Laura Depuy e outros, panini [só traduzi algumas histórias e os extras!]
ZDM: EDIÇÃO DE LUXO VOL. 1, Brian Wood e Riccardo Burchielli, panini [só traduzi os extras!]
em fevereiro
SANDMAN APRESENTA 9: A GAROTA QUE QUERIA SER A MORTE, Caitlín R. Kiernan, Dean Ormstron, Sean Phillips, panini
LÚCIFER: EDIÇÃO DE LUXO VOL. 3, Mike Carey, Peter Gross, Ryan Kelly, Dean Ormstron, Craig Hamilton, David Hahn, Ted Naifeh, panini
em março
SURFISTA PRATEADO: LIBERDADE [EPIC COLLECTION], Stan Lee, John Byrne, Steve Englehart, Marshall Rogers, Joe Rubinstein, Joe Staton, Jack Kirby e outros, panini
VAMPIRO AMERICANO: EDIÇÃO DE LUXO VOL. 5, Scott Snyder, Rafael Albuquerque, Tula Lotay, Francesco Francavilla, panini
CONAN, O BÁRBARO 2, Jim Zub, Roberto de la Torre, panini
vem aí
LORE OLYMPUS VOL. 4, Rachel Smythe, suma
SHORTCOMINGS, Adrian Tomine, nemo
ROAMING, Mariko Tamaki/Jillian Tamaki, nversos
VOLEUSE, Lucie Bryon, risco [campanha no catarse em breve!]
I AM STAN, Tom Scioli, conrad
HOW TO e WHAT IF 2, Randall Munroe, companhia das letras
CHEW VOL. 4, John Layman e Rob Guillory, devir
KRAZY & IGNATZ VOL. 2: 1919-1921, George Herriman, skript
COMIC BOOKS INCORPORATED, Shawna Kidman
ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS, Lewis Carroll
ATRAVÉS DO ESPELHO, Lewis Carroll
mais BONE de Jeff Smith (e amigos), todavia
+ Adrian Tomine
+ Tom Gauld
+ Ray Bradbury
+ Shaun Tan
+ Will Eisner
+ Emma Orczy
+ Agatha Christie
+ Guilherme Karsten
Todas as minhas traduções: ericoassis.com.br
Duas páginas de O FUTURO, de Denny Chang. Está na íntegra aqui, como eu já falei. Quero o trabalho sobre tabular x linear na minha mesa até segunda-feira.
Trechos de THIS LITTLE ART, de Kate Briggs. Quero falar mais sobre esse livrinho que eu finalmente acabei de ler nas semanas moles do fim do ano. Quero traduzir uns trechos, falar das várias coisas que anotei. Numa próxima edição, quem sabe.
THIS LITTLE ART, fitzcarraldo editions
Eu juro que essa coincidência na newsletter da semana passada não foi planejada.
Duas páginas para dizer “piu”, em IKKYU vol. 1, de Hisahi Sakagushi (trad. Drik Sada, veneta).
“Nove variações sobre ser sozinho”. Adorei essa definição que o Ari Aster fez de MONICA.
Você leu a VIRAPÁGINA, newsletter de Érico Assis. Sou jornalista e tradutor, e escrevo profissionalmente sobre quadrinhos desde 2000. Publiquei dois livros: BALÕES DE PENSAMENTO 1 [amazon] e 2 [amazon]. Tem mais informações no meu website ericoassis.com.br.
O número de assinantes PAGOS da virapágina mais do que dobrou depois da última edição. Só tenho que agradecer muito pelo presente de fim de ano. Se você quiser e puder, paga R$ 12 por mês ou R$ 120 por ano para apoiar a continuidade da newsletter.
Obrigado por continuar virando páginas comigo em 2024.
Legal, tô aprendendo sem muito esforço.
Muito bom!