031: CONVERSAS ENTRE TRADUTOR E AUTOR
papos com gente que eu traduzi | minha semana | capitalismo | páginas viradas
Nate Powell, o desenhista de A MARCHA, me respondeu com pura simpatia.
, quando eu perguntei sobre as siglas de CASANOVA, foi gente finíssima. , que fala português, me agradeceu quando notei umas gralhas em IMOBILIÁRIA SOBRENATURAL. Lilah Sturges – que na época atendia por Matthew Sturges – me desafiou a decifrar o código que ela tinha usado numa edição de CASA DOS MISTÉRIOS, depois disse que eu fui o único leitor que decifrou. respondia os e-mails em quinze minutos, alegre e com muitos pontos de exclamação!Na última newsletter (link abaixo) falei da resposta simpática do roteirista
quando meu editor em CONAN, O BÁRBARO, Diogo Prado, lhe encaminhou as minhas dúvidas de tradução. Lembrei de outras interações que eu tive com autores que eu traduzi e fiquei pensando em como isso é raro – tanto um autor responder quanto ser simpático.Na minha memória, autores não respondem aos tradutores. Ou dão respostas de quem não está nem aí pra como vão ser lidos em português. Sempre que penso que podia resolver uma dúvida de tradução com um autor, sinto uma frustração antecipada porque a resposta não vai vir ou não vai me ajudar ou vai ser uma resposta tão atravessada que a pessoa vai cair no meu conceito.
Mas minha memória foi sacana. Fui mexer nos e-mails que troquei com autores e descobri que, na imensa maioria dos contatos, eles foram solícitos, atenciosos e interessados em ajudar. Às vezes foram sucintos, mas mesmo assim foram prestativos.
Acho que os poucos exemplos ruins, como em tanta coisa na vida, falam mais alto do que um oceano de exemplos bons.
Papo com Matt Fraction sobre as siglas das organizações de CASANOVA.
Falar com o autor é o último recurso. Você, tradutor com uma dúvida sobre o original, pesquisa tudo que pode antes de perguntar para o autor. Você lê o quadrinho ou o livro inteiro para sacar se aquela palavra não se explica em outra página, lê de novo, pergunta pra colegas tradutores, pergunta se sua editora também não entendeu, pesquisa em resenhas, em entrevistas, em annotations. Se ainda assim restar dúvida, aí você encara a tarefa de redigir um e-mail educado e sucinto, muito sucinto, para o autor. Com dúvidas claras, especificando a página, o trecho, a palavra que deixou dúvida.
Eu, pelo menos, prefiro fazer assim. Falar com o autor é o último recurso, mesmo quando eu sei que a pessoa é legal.
Sem exagero, já traduzi mais de 400 autores. Não conversei nem com 40.
Papo com Lilah Sturges (ex-Matt Sturges) sobre CASA DOS MISTÉRIOS
Geralmente porque não precisei. O livro e o quadrinho não deixou dúvidas ou eu resolvi a dúvida com pesquisa. Eu até queria bater papos com Grant Morrison, Neil Gaiman, Bryan Lee O’Malley. Mas já traduzi bem mais de mil páginas de cada um e nunca tive que perguntar nada. (Não, nem a Morrison. Os fãs de Morrison decifram tudo.)
Em alguns casos, não tirei dúvida com autores porque meus editores pediram para eu não entrar em contato. Principalmente em casos de gibis de heróis, Marvel ou DC, os autores não costumam ter, digamos, “investimento autoral” naquilo que produziram. Ou estão atucanados com prazos, ou não recebem um cent pelo gibi deles que vai sair em outro país. É compreensível que não respondam ou, como aconteceu com colegas de tradução, deem uma resposta ranzinza.
(Um colega me contou de quando estava correspondendo-se com uma autora que traduzia e, depois de alguns e-mails, a autora correspondeu-se com a editora para perguntar se aquele tradutor era mesmo qualificado – de tantas perguntas que fazia.)
Geralmente o autor está ali, disponível, no Xwitter, no Instagram ou no Facebook, a uma DM de distância. Mas vai saber quem considera profissional entrar em contato pelas redes (eu mesmo não considero). E mesmo que você consiga o e-mail profissional da pessoa, tem editoras que pedem que o contato seja intermediado por elas.
E não só: às vezes o tradutor tem que mandar sua pergunta à editora brasileira, que pergunta à editora estrangeira, que pergunta ao agente do autor, que pergunta ao autor; e aí o autor responde ao agente, que responde à editora estrangeira, que responde à editora brasileira, que encaminha ao tradutor. Teve uma ocasião em que essa resposta levou, sem brincadeira, três anos.
Do primeiro autor que eu traduzi, Craig Thompson, falando de RETALHOS.
Tom Hart foi extremamente carinhoso e profissional quando eu disse que não entendia algumas palavras do babyspeak de sua filha em ROSALIE LIGHTNING – que trata da morte dessa filha. Pensei muito com meu editor antes de mandar esse e-mail. Hart respondeu tudo, mandei um e-mail agradecendo e aproveitei para contar como ROSALIE tinha me tocado, principalmente por eu ter uma filha que também adorava Totoro. Aí ele não respondeu mais.
ficou extremamente interessado na tradução de DESAPLANAR. O papo por email seguiu numa conversa ao vivo, em São Paulo, meses depois., de LOVE & ROCKETS, não lembrava mais de onde tirou o nome “Hoppers”. E tudo bem, eu perguntei quase quarenta anos depois de ele escrever o gibi., na minha lembrança, tinha dado uma resposta curta e grossa. Não sei porque minha lembrança me trai. Revi o e-mail agora e ele foi extremamente prestativo ao me explicar os malapropisms de “Eleanor”, o conto que é uma das minhas maiores derrotas na carreira de tradutor (está no livro INVENTE ALGUMA COISA, caso alguém se interesse).Pesquisei com dois pilotos de helicóptero antes de perguntar a Barry Windsor-Smith sobre as gírias militares que ele usou em MONSTROS. Foi desses casos de conversa intermediada, tradutor-editora-agente-autor e depois autor-agente-editora-tradutor. Talvez por causa de todo esse trânsito as respostas foram meio atravessadas. Escrevi um diário da tradução de MONSTROS aqui.
Joe Ollmann tirou dúvidas bem chatas e até me passou links de pesquisa para montar o glossário de PAI DE MENTIRA (exclusivo da edição brasileira). Gente boa.
E escrevi ao A.J. Dungo sem pergunta nenhuma, só para agradecer por ter lido e traduzido EM ONDAS. Ele me respondeu com uma felicidade que pareceu muito sincera. Nós dois ficamos felizes.
Do autor de EM ONDAS, A.J. Dungo
Mas, até hoje, ninguém superou
. Temos uma tripa de doze e-mails que trocamos em menos de dez dias, quando eu estava fechando a tradução de MOONSHADOW. Ele respondia muito rápido.Na primeira troca, confirmei com ele que “G’l-Doses” é um anagrama de “Godless” e ganhei um elogio (“Pouca gente tinha notado!”). Foi minha desculpa para derramar toda minha paixão pelo que eu tinha lido do sr. DeMatteis na adolescência – Sr. Destino, Aranha, Liguinha, Capitão América, a própria MOONSHADOW. Ele adorou e disse que também gosta muito daquela época.
Quando já estávamos no nível besties (seis e-mails), tomei a liberdade de perguntar sobre uns erros no texto e na arte do original. Com educação, claro. Ele confirmou que eram erros (com uma exceção) e me encaminhou agradecimentos tanto do seu editor quanto do desenhista de MOONSHADOW, Jon J. Muth. “Sua atenção aos detalhes é tão espantosa quanto extraordinária”, disse o senhor DeMatteis. Passei aquele ano flutuando, mais inflado do que um um dos G’l-Doses. Ou “Des-Mesu”, na tradução.
Teve três autores que nunca me responderam e um que me deu uma resposta de duas linhas, meio indignado. Por que eu me lembro mais desses do que de todos os autores gente fina? A gente se concentra demais nos exemplos ruins.
Os livros e quadrinhos citados acima:
CASA DOS MISTÉRIOS, de Lilah Sturges e vários autores, foi publicada na revista VERTIGO (panini) do número 5 ao 49.
CASANOVA, de Matt Fraction, Gabriel Bá, Fábio Moon e Cris Peter, saiu em três volumes pela Panini: LUXURIA, GULA e AVARITIA.
CONAN, O BÁRBARO sai bimestralmente pela Panini; a edição que levou ao papo com Jim Zub foi a 3, que sai em maio.
DESAPLANAR, Nick Sousanis (veneta)
EM ONDAS, A.J. Dungo (nemo)
IMOBILIÁRIA SOBRENATURAL, Dan Goldman (plot!)
INVENTE ALGUMA COISA, Chuck Palahniuk (leya)
LOVE & ROCKETS: MAGGIE, A MECÂNICA, Jaime Hernandez (veneta)
A MARCHA, de John Lewis, Andrew Aydin e Nate Powell, saiu em três volumes: 1, 2 e 3 (nemo)
MONSTROS, Barry Windsor-Smith (todavia)
MOONSHADOW, J.M. DeMatteis e Jon J. Muth (pipoca e nanquim)
PAI DE MENTIRA, Joe Ollmann (comix zone)
ROSALIE LIGHTNING, Tom Hart (nemo)
Minha semana: Passei de sábado a quarta-feira em Porto Alegre para visitar a família, levar criança no médico e fazer uma “reunião de trabalho” que não tinha pauta nenhuma. Que são as mais produtivas, pois não têm que produzir nada.
Trabalho, trabalho mesmo, rolou pouco. Avancei 45 laudas no PROJETO CAMALOTE, menos da metade do que fiz na semana passada. Tenho esperança de encarar o final da primeira fase dessa tradução na semana que vem. Faltam umas 150 laudas.
Dei uma corrida com o PROJETO MADDOC e saíram 175 páginas. Terminei a primeira fase, faltam revisões. Entrega até 14 de abril.
Gravamos um Notas dos Tradutores bem divertido sobre TERRA LIVRE, Neil Gaiman, parlendas e a relação entre tradutor e editor. Falo mais disso na próxima newsletter, quando o episódio estiver no ar.
Os links abaixo são de trabalhos meus que foram lançados há pouco ou serão lançados em breve. Comprar pelos links da Amazon me rende uns caraminguás. Se puder, use os links.
As datas podem mudar a qualquer momento e eu não tenho nada a ver com isso.
em março
CONAN, O BÁRBARO: A ERA CLÁSSICA VOL. 7, James Owsley, John Buscema, Val Semeiks e outros, panini
CONAN, O BÁRBARO 2, Jim Zub, Roberto de la Torre, panini
A BRIGADA DOS ENCAPOTADOS, K.W. Jeter, John K. Snyder III, Dave Louapre, Dan Sweetman, Alisa Kwitney, Guy Davis, John Ney Rieber, John Ridgway, panini
OS LIVROS DA MAGIA, Neil Gaiman, John Bolton, Scott Hampton, Charles Vess, Paul Johnson, panini [reedição]
ZDM: EDIÇÃO DE LUXO VOL. 1, Brian Wood, Riccardo Burchielli e outros, panini [só traduzi os extras]
em abril
LADRAS, Lucie Bryon, risco [tradução minha e de Ilustralu]
ROAMING, Mariko Tamaki e Jillian Tamaki, nversos [tradução minha e de Ilustralu]
SURFISTA PRATEADO: LIBERDADE [EPIC COLLECTION], Stan Lee, John Byrne, Steve Englehart, Marshall Rogers, Joe Rubinstein, Joe Staton, Jack Kirby e outros, panini
LÚCIFER: EDIÇÃO DE LUXO VOL. 3, Mike Carey, Peter Gross, Ryan Kelly, Dean Ormston, Craig Hamilton, David Hahn, Ted Naifeh, panini
O UNIVERSO DE SANDMAN: PAÍS DOS PESADELOS vol. 2, James Tynion IV, Leandro Estherren, Patricia Delpeche, Maria Llovet, panini
VAMPIRO AMERICANO: EDIÇÃO DE LUXO VOL. 5, Scott Snyder, Rafael Albuquerque, Tula Lotay, Francesco Francavilla, panini
STRANGER THINGS: KAMCHATKA, Michael Moreci e Todor Hristov, panini
SANDMAN APRESENTA VOL. 10: BRUXARIA, James Robinson, Peter Snejbjerg, Michael Zulli, Steve Yeowell, panini
OS INVISÍVEIS EDIÇÃO DE LUXO vol. 1, Grant Morrison, Steve Yeowell, Steve Parkhouse e vários, panini
CHEW: O SABOR DO CRIME VOL. 4: RECEITAS DE FAMÍLIA, John Layman e Rob Guillory, devir
em maio
CONAN, O BÁRBARO 3, Jim Zub, Dale Eaglesham, vários, panini
A capa da edição brasileira de ROAMING, de Jillian Tamaki e Mariko Tamaki, que entrou em pré-venda na semana passada [amazon]. A tradução é minha e de Ilustralu.
vem aí
LORE OLYMPUS VOL. 4, Rachel Smythe, suma
SHORTCOMINGS, Adrian Tomine, nemo
HOW TO e WHAT IF 2, Randall Munroe, companhia das letras
KRAZY & IGNATZ VOL. 2: 1919-1921, George Herriman, skript
SENHOR DAS MOSCAS, Aimée de Jongh, suma
O ABOMINÁVEL SR. SEABROOK, Joe Ollmann, quadrinhos na cia.
SAPIENS VOL. 3, david vandermeulen e daniel casanave, quadrinhos na cia.
MINHA COISA FAVORITA É MONSTRO 2, Emil Ferris, quadrinhos na cia.
COMIC BOOKS INCORPORATED, Shawna Kidman
ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS e ATRAVÉS DO ESPELHO, Lewis Carroll
mais BONE de Jeff Smith (e amigos), todavia
+ Adrian Tomine
+ Tom Gauld
+ Dan Clowes
+ Shaun Tan
+ Will Eisner
+ Agatha Christie
+ Guilherme Karsten
+ Oliver Jeffers
+ Mac Barnett
+ Gato Pete
+ Mike Birchall
Todas as minhas traduções: ericoassis.com.br
De SUPER-HOMEM E HOMEM-ARANHA 2, por Jim Shooter, John Buscema e um monte de arte-finalistas (tradução e letras da Artecômix). Editora Abril, 1989. Postado pelo Rogério Faria.
Helô D’Angelo, aqui.
Eu folheando minha velha coleção da FIERRO, a revista de quadrinhos argentina. A coleção foi para as mãos de outro colecionador. Postei mais páginas aqui.
(Que saudade do Kioskerman.)
O quadro original de CASA DOS MISTÉRIOS que levou ao meu contato com Lilah Sturges e o jeito como eu entreguei a tradução. Saiu em VERTIGO n. 19 (panini, 2011).
Tem dias em que a virapágina ganha um surto de assinantes e ontem foi um dia desses. Mais de 50 em vinte e quatro horas. O pessoal chega por recomendações de outras newsletters, “assinaturas casadas” ou outros meios mágicos. Agradeço demais a todo mundo que resolveu acompanhar e a todos que divulgam.
Se essa é sua primeira virapágina, quem escreveu tudo isso fui eu, Érico Assis. Sou jornalista e tradutor, e escrevo profissionalmente sobre quadrinhos desde 2000. Publiquei dois livros: BALÕES DE PENSAMENTO 1 [amazon] e 2 [amazon]. Tem mais informações no meu website ericoassis.com.br. E trinta virapáginas para você ler no arquivo.
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Que você vire ótimas páginas até a semana que vem.
"Logo estarei seguro na embaixada" 🤡💩
Sempre gosto de acompanhar esses bastidores Érico!