065: DUAS VEZES LUCKAS IOHANATHAN
como pedra no jabuti, como pedra em angoulême | o discurso da pantera | minha semana | capitalismo | páginas viradas
Da última vez que conversei com Luckas Iohanathan, fiz uma comparação entre COMO PEDRA, o quadrinho que ele estava lançando, e os livros de Itamar Vieira Junior como TORTO ARADO.
Os dois autores são do nordeste, contam histórias do nordeste e tratam de resistência no sertão. As capas dos livros de Vieira Junior, ilustradas por Aline Bispo, têm parentesco com a arte de Iohanathan. São obras que casam bem, uma nos quadrinhos e outra na literatura.
Na última terça-feira, os dois ganharam mais uma ligação: levaram troféus do 66º Prêmio Jabuti na mesma noite. O romancista baiano foi o primeiro lugar na categoria Romance Literário por SALVAR O FOGO. O quadrinista potiguar levou o troféu da categoria Quadrinhos por COMO PEDRA.
“Uma das primeiras coisas que fiz agora, quando voltei para o Brasil, foi comprar TORTO ARADO”, Iohanathan me falou numa nova conversa, ontem. “Desde a nossa última entrevista, fiquei com essa pulga atrás da orelha. Com toda essa correria ainda não tive tempo de ler, mas estou ansioso.”
Não sei se Itamar Vieira Junior leu COMO PEDRA. Mas devia.
Luckas Iohanathan e esposa estão voltando de uma temporada de três anos em Rosário, na Argentina. Vão voltar a morar em Mossoró, Rio Grande do Norte, onde ele nasceu e viveu a maior parte da vida.
Ele soube da indicação ao Jabuti pouco depois de chegar no Brasil. “Eu estava em processo de mudança, hospedado na casa do irmão, e quem me avisou foi o Thiago Ferreira da Comix Zone”, conta Luckas. “Minha esposa pulou de alegria, quase chorando.”
No dia da premiação, esta semana, Luckas reuniu a família em casa. “Foi uma gritaria na hora do anúncio. Eu não estava esperando vencer e acho que tava mais nervoso pela minha família me ver perder do que com o prêmio, hahaha.”
Dois dias depois, ele e família comemoraram de novo. O quadrinho brasileiro comemorou junto. COMO PEDRA apareceu entre os indicados do 52º Festival d’Angoulême. A edição francesa do quadrinho, COMME UNE PIERRE, saiu há três meses pela editora iLatina.
O Festival d’Angoulême tem um jeito particular de organizar sua premiação principal. O evento solta um listão de quadrinhos – são 44 este ano – que chama de “Seleção Oficial”. Desse listão, vai tirar pelo menos três premiados: o Fauve d’Or, que é o álbum do ano; o Prêmio do Júri; e o Prêmio Revelação, para autores em início de carreira (máximo de três publicações). Iohanathan pode ganhar qualquer um desses três.
A concorrência é acirrada. Apesar de só reconhecerem o que é lançado em francês, os prêmios de Angoulême são os mais includentes do quadrinho mundial, com quadrinhos de origem japonesa, italiana, alemã, britânica, norte-americana etc. Iohanathan é o único nome brasileiro* que aparece na lista, que destaca outros sul-americanos como Eduardo Risso e Sole Otero, ambos da Argentina.
(* O listão do Festival não destaca o nome do brasileiro Matheus Lopes, colorista de um dos concorrentes da Seleção Oficial, VOID RIVALS. Ironicamente, ele aparece na capa divulgada do quadrinho como autor que é.)
Angoulême tem uma forte tendência a premiar quadrinhos que não foram destaque de vendas e público, justamente para chamar atenção ao que ainda não teve. Foi o que valeu o Fauve d’Or a Marcello Quintanilha por ESCUTA FORMOSA MÁRCIA, em 2022, por exemplo. Às vezes, porém, o festival segue a massa e premia medalhões – como no ano passado, quando o MONICA, de Daniel Clowes foi eleito melhor álbum.
Tem medalhões concorrendo este ano: Manu Larcenet (A ESTRADA), Joe Sacco, Guy Delisle, Brecht Evens, Blutch. LA ALEGRE VIDA DEL TRISTE PIERRO CORNELIUS, do barceloneta Marc Torices, já vem de um prêmio importante na Espanha e publicação em outros países.
De qualquer modo, entrar na Seleção Oficial já é um grande feito. Em um país de quatro mil lançamentos por ano, a lista de quarenta e poucos diz que essa é a nata do que o mercado de quadrinhos francês lançou em 2024. COMO PEDRA está lá.
“Olha, eu nem tive tempo de processar o Jabuti e, agora, estar na seleção de Angoulême…”, diz Iohanathan. “A ficha ainda não caiu. É meio surreal. Durante anos vendo meus artistas favoritos nessas premiações e agora eu também fazendo parte... é surreal.”
Há um ano, Iohanathan era um autor que havia publicado três quadrinhos independentes e que estava estreando em editoras. Por coincidência, COMO PEDRA, pela Comix Zone, e O MONSTRO DEBAIXO DA MINHA CAMA, pela Pipoca & Nanquim, saíram quase juntos no final de 2023.
“Foi um ano muito bom e não posso reclamar”, ele diz. “Eu não esperava ver tantas criticas positivas, acho que eu esperava uma reação mais mista.”
Perguntei se alguma crítica ficou mais marcada. Teve uma. “Negativa, é claro! Alguém criticou COMO PEDRA dizendo que os personagens não falavam como nordestinos. Isso me pegou. Passei um tempão pensando nisso e até agora não sei se realmente foi uma falha minha ou se esse leitor estava esperando nordestinos mais estereotipados. De qualquer forma, adoro ver o que as pessoas têm a dizer sobre meu trabalho. Geralmente acho as críticas mais bem elaboradas do que as obras em si.”
No ano que vem, a Comix Zone vai lançar dois quadrinhos de Luckas. O primeiro é ENTERREI TODOS NO MEU QUINTAL, que ele já havia lançado em versão digital. (E e o meu preferido do Luckas.)
O outro é inédito. “Quando terminei PEDRA, eu disse pra mim mesmo que nunca mais ia fazer um quadrinho com tantas páginas. Mas o novo está indo pelo mesmo caminho. Um dia eu aprendo. O que posso contar é que é o meu trabalho mais pessimista, tem tons de azul, e é o que mais me fez quebrar a cabeça.”
Seguem duas páginas de prévia abaixo, fornecidas com exclusividade pela Comix Zone:
Luckas continua trabalhando como diretor de arte e ilustrador, como faz há mais de dez anos. Os quadrinhos são produção das horas vagas. Os prêmios, as indicações e a publicação no exterior ainda não mudaram a vida profissional.
“Espero que um dia [fazer quadrinho] seja meu trabalho integral”, ele diz. “Pra mim, essa seria a maior conquista profissional.”
Ele vai a Angoulême em janeiro, a convite de sua editora francesa. Diz que não sabe se volta com o prêmio, é claro, mas vai tentar aproveitar o grande festival dedicado exclusivamente a quadrinhos.
No momento, quem comemora mais são sua mãe coruja – “ela sai contando para todo mundo como está orgulhosa” – e a esposa – “que acompanha diariamente meu trabalho e com certeza está mais eufórica do que eu”.
Ele, que não é muito das redes sociais, apareceu em um raro vídeo para o Instagram festejando o Jabuti e dizendo que o prêmio é importante não só para ele, mas para o quadrinho nordestino.
Ele não é o primeiro nordestino a ganhar o Jabuti de quadrinhos – Wagner Willian, que ganhou em 2020, é seu conterrâneo do Rio Grande do Norte. Mas, com 30 anos, Luckas dizer que é o autor mais jovem que já ganhou na categoria. Contei isso para ele.
Luckas: “Sério? Que doideira.”
COMO PEDRA, Luckas Iohanathan [amazon]
Minha entrevista com Luckas de setembro do ano passado:
Alerta de quadrinho bom: O DISCURSO DA PANTERA, de Jérémie Moreau (trad.
), pela Veneta/Outra História.É um daqueles quadrinhos que eu não sei explicar - e meus quadrinhos preferidos são os que eu não sei explicar.
São histórias de bichos: um búfalo que tenta empurrar uma montanha, um elefante que precisa ouvir a história do mundo do seu avô moribundo, um estorninho que se perdeu da revoada. A partir dali se conta o mundo.
É um quadrinho feito para crianças, mas para crianças que ficam olhando para o horizonte. Se você é uma dessas, independente da idade, recomendo muito. Se você conhece uma criança assim, das de pouca idade, leia com ela.
Tive uma certa obsessão pelo Jérémie Moreau quando fiquei hipnotizado pela capa de LES PIZZLYS - já mostrei umas páginas por aqui (na mesma edição em que entrevistei o Luckas Iohanathan, olha a coincidência). Li outros trabalhos de Moreau, como SAGA DE GRIMR, um Fauve d’Or de Angoulême. Não conhecia O DISCURSO DA PANTERA, primeiro que ele lança no Brasil.
Mais, por favor.
O DISCURSO DA PANTERA [amazon] [veneta]
Minha semana:
traduzi 22 páginas do novo projeto com Conan
tive que parar o Conan porque a editora passou outro projeto na frente
traduzi mais 99 páginas e 16 laudas de PROJETO RETO
traduzi 70 páginas de PROJETO RISCA
revisei 87 laudas de PROJETO BEVERLY HILLS
revisei 47 páginas de PROJETO ADEUS PRÍNCIPE
revisei 78 páginas de PROJETO FRANK
Saiu o 2Q News de domingo:
Saiu o Lançamentos da Semana na quarta-feira:
Saiu a entrevista do Notas dos Tradutores com
, editor da Barbante, sobre GAROTO-ENXAQUECA:
Entrevistei o Luckas Iohanathan para a virapágina de hoje.
E aí a semana acabou.
Os links abaixo são de trabalhos meus que foram lançados há pouco tempo ou serão lançados em breve. Comprar pelos links da Amazon me rende uns caraminguás. Se puder, use os links. As datas podem mudar a qualquer momento e eu não tenho nada a ver com isso.
em novembro
GAROTO-ENXAQUECA, Greg Fiering, barbante
A VINGANÇA DAS BIBLIOTECAS, Tom Gauld, todavia
OS INVISÍVEIS EDIÇÃO DE LUXO vol. 3, Grant Morrison, Phil Jimenez e vários, panini
LOBO OMNIBUS VOL. 1, Keith Giffen, Alan Grant, Val Semeiks, Martin Emond e outros, panini [traduzi um terço do omnibus]
CONAN, O BÁRBARO 5, Jim Zub e Roberto de la Torre, panini
A ESPADA SELVAGEM DE CONAN 1, John Arcudi, Max von Fafner, Jim Zub, Patrick Zircher, Robert E. Howard, Roy Thomas, panini
STRANGER THINGS E DUNGEONS & DRAGONS, Jody Houser, Jim Zub, Diego Galindo e Msassyk, panini
em dezembro
JOE HILL DARK COLLECTION VOL. 2, Joe Hill, Jason Ciaramella, Vic Malhotra, Nat Jones Charles, Paul Wilson III, darkside
CONAN, O BÁRBARO: A ERA CLÁSSICA vol. 8, James Owsley, Val Semeiks, Geof Isherwood e outros, panini
CONAN, O BÁRBARO 6, Jim Zub e Roberto de la Torre, panini
A ESPADA SELVAGEM DE CONAN 2, Jim Zub, Richard Case, Patrick Zircher, panini
STRANGER THINGS: HOLIDAY SPECIALS, vários autores, panini
em janeiro
O PRIMEIRO GATO NO ESPAÇO E A SOPA DA PERDIÇÃO, Mac Barnett e Shawn Harris, baião
PATRULHA DO DESTINO POR RACHEL POLLACK - EDIÇÃO DE LUXO VOL. 1, Rachel Pollack, Richard Case, Scot Eaton, Linda Medley e vários, panini
CONAN, O BÁRBARO: A ERA CLÁSSICA VOL. 9, Val Semeiks, Michael Higgins, Ron Lim e outros, panini
A ESTRANHA MORTE DE ALEX RAYMOND, Dave Sim e Carson Grubaugh, go!!! comics
Uma tradução que saiu na surdina (até pra mim) agora em setembro e outubro e que me deixou feliz: um livro que ensina o corpo humano para crianças. É bastante preciso (e eu tive que ser bem preciso na tradução), as ilustrações de Tatiana Kamshilina são lindas, é grandão e ainda têm vários pôsters para desdobrar e deixar mais grandão.
ATLAS DESDOBRÁVEL DO CORPO HUMANO [amazon]
vem aí
HOW TO e WHAT IF 2, Randall Munroe, companhia das letras
KRAZY & IGNATZ VOL. 2: 1919-1921, George Herriman, skript
SAPIENS VOL. 3, David Vandermeulen e Daniel Casanave, quadrinhos na cia.
FEEDING GHOSTS, Tessa Hulls, quadrinhos na cia.
mais BONE de Jeff Smith (e amigos), todavia
COMIC BOOKS INCORPORATED, Shawna Kidman
ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS e ATRAVÉS DO ESPELHO, Lewis Carroll
+ Adrian Tomine, Dan Clowes, Shaun Tan, Will Eisner, Mike Birchall
+ Gato Pete, Lore Olympus, Conan
etc. etc. etc.
Todas as minhas traduções: ericoassis.com.br
Agradeço a todas as reações à virapágina da semana passada. Ainda estou processando algumas.
Depois de ler, Carlos Bertazzo me recomendou um texto devastador do James Wood sobre a biblioteca do sogro: “Shelf Life”, na New Yorker.
“Adquirir um livro sinalizava não apenas a aquisição potencial de conhecimento, mas algo similar à escritura de um pedaço de terra: o conhecimento se tornava um terreno que você podia visitar.”
Lembrei de uma fala do Seth sobre coleções, que eu já tinha usado em outra virapágina:
Somos apenas formiguinhas numa bola de lama. Mas construímos uma caixa, e vamos encher essa caixa de coisas, e essas coisas vão ficar numa determinada ordem e nós vamos morar no meio dessas coisas. Isso tem um poder, que é mágico e que é esquisito. Como se você estivesse preparando um feitiço. Que não significa nada, fora o que nós dissermos que significa.
O papo sobre coleção e colecionismo não acabou. Um dia eu retomo.
Até a morte da esposa, o casal circulava pela vida de mãos dadas — inclusive em casa. O nome dos dez filhos foi escolhido de caso pensado para que as iniciais formassem os acrósticos MARIA ASSIS. Conforme nasciam, foram batizados de Marluce, Assis, Rosileia, Isnard, Aglaé, Argel, Sérgio, Sílvia, Izabel e Sávio.
Dorrit Harazim, escrevendo sobre o fotógrafo Assis Horta em O INSTANTE CERTO. [kindle]
Uma capa do David Talaski. Em WONDER WOMAN n. 15, que saiu esta semana.
“Enquanto o Rei da Prússia Travava a Guerra, Quem Você Acha que Cerzia Suas Meias?”, de Zidou e Roger. Ainda vou ler de novo e contar como esse quadrinho desgraçou minha cabeça em 56 páginas.
Meu nome é Érico Assis. Sou jornalista e tradutor. Escrevo profissionalmente sobre quadrinhos desde 2000, traduzo profissionalmente desde 2009. Sou um dos criadores do podcast Notas dos Tradutores, colaboro com o canal de YouTube 2Quadrinhos e com o programa Brasil em Quadrinhos do Ministério das Relações Exteriores. Dou cursos de tradução na LabPub. E escrevo esta nius.
Publiquei dois livros: BALÕES DE PENSAMENTO 1 e 2, disponíveis em formato digital e físico na Amazon.
Tem mais informações no meu website ericoassis.com.br.
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E que você vire ótimas páginas até a semana que vem.
Achei mesmo Como Pedra uma baita obra. Foi um dos poucos quadrinhos que resenhei neste ano na coluna.
Gostei de como pedra. Tenho medo de ler o do monstro por causa do tema, mas resolvi que vou ler.